Do coração e outros corações

Do coração e outros corações

sexta-feira, 19 de outubro de 2012


O direito à esperança

do Blog de Maria João Freitas, Portugal
Falta polí­tica na gover­na­ção de Por­tu­gal. Disse polí­tica, não disse poli­ti­quice por­que dessa esta­mos bem ser­vi­dos. Falta visão polí­tica. Fal­tam pen­sa­mento e refle­xão polí­ti­cos. Sedi­men­ta­dos e com a espes­sura sufi­ci­ente para inter­na­li­zar a dúvida e dis­pen­sar os dog­ma­tis­mos. Fal­tam sen­si­bi­li­dade e bom senso polí­ti­cos. Que não se con­fun­dem com a irri­tan­te­mente em voga “comu­ni­ca­ção” polí­tica. Falta gover­na­ção polí­tica que não é a mesma coisa do que a sim­ples “coor­de­na­ção” polí­tica e é o oposto  e serve mui­tas de vezes de con­tra­ponto à gover­na­ção téc­nica ou tecnocrática.
Sei bem que num país onde toda a gente se entre­tém a insul­tar essa coisa con­ve­ni­en­te­mente inde­fi­nida que é a “classe polí­tica”, parece para­do­xal falar assim. Mas dêem-me a opor­tu­ni­dade de ten­tar ela­bo­rar tão inu­si­tada ideia.
Antes ainda, e por­que não quero embar­car em dema­go­gias bara­tas, permitam-me que insista numa ideia que não é sim­pá­tica e que as opo­si­ções gos­tam de esque­cer. Acre­dito que não há, infe­liz­mente, alter­na­ti­vas de gover­na­ção subs­tan­ci­al­mente mais fáceis nem radi­cal­mente menos dolo­ro­sas do que aquela que nos tem sido ser­vida. Pode­mos, deve­mos, dis­cu­tir a inten­si­dade, os timings, a “modu­la­ção” das polí­ti­cas como agora se diz e até alguns tro­ços deste penoso cami­nho. Mas a situ­a­ção a que che­gá­mos é tal que suge­rir que não temos que per­cor­rer uma via sacra de sacri­fí­cios é uma ilu­são que por ser do domí­nio da sim­ples char­la­ta­nice em nada con­tri­bui para resol­ver o drama que vivemos.
Dito isto, perguntar-se-á com legi­ti­mi­dade, se a rota de um dolo­roso ajus­ta­mento nos está imposta, será inte­lec­tu­al­mente honesto con­tes­tar a apli­ca­ção rígida, cora­josa, auto­má­tica, teo­ri­ca­mente impe­cá­vel, de um con­junto de medi­das impo­pu­la­res e difí­ceis mas que são con­di­ção neces­sá­ria para evi­tar o mal maior da ban­car­rota ou a tra­gé­dia do ostracismo?
Eis onde entra, onde tem de entrar, a polí­tica. Por duas gran­des ordens de razões. Desde logo por­que é pre­ciso dimen­são e las­tro polí­tico para lem­brar os mais dis­traí­dos que a eco­no­mia não é uma ciên­cia exacta mas uma ciên­cia social. Que a eco­no­mia lida com uma rea­li­dade irri­tante que são as pes­soas. Mexem-se, rea­gem de maneira impos­sí­vel de modu­lar, estão longe, muito longe, de se pare­cer com o ser raci­o­nal dos pres­su­pos­tos clás­si­cos. E eu só conheço uma maneira de lidar com uma rea­li­dade com­plexa, impos­sí­vel de pre­ver e muito menos de modu­lar: cul­ti­var a humil­dade e o prag­ma­tismo, apren­der com erros, recu­sar o con­forto e a infle­xi­bi­li­dade dos dog­mas. Não é por­que uma receita é difí­cil que pode dei­xar de ser cum­prida, mas não basta ser difí­cil para fazer certa uma receita errada. Fazer poli­tica é ter o senso de per­ce­ber isto.
Mas fazer polí­tica é ainda mais do que isto. E vamos ao meu segundo e mais subs­tan­cial argu­mento. Fazer poli­tica é ser capaz de dar sen­tido aos cami­nhos que se per­cor­rem, por mais agres­tes que estes sejam.  Fazer polí­tica é ser capaz dar nexo aos sacri­fí­cios. Não se trata de entre­ter a mara­lha com ilu­sões, não se trata de dis­tri­buir ópios ao povo, muito menos de pro­me­ter ama­nhãs que can­tam. Trata-se de recu­pe­rar para a gover­na­ção da polis uma visão mini­ma­mente con­sis­tente, soci­al­mente mobi­li­za­dora e mar­ca­da­mente ética do futuro. Trata-se, no fundo, de não esque­cer que os povos têm um direito ina­li­e­ná­vel à espe­rança. Eis, meus caros, onde tudo está a falhar.

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