Do coração e outros corações

Do coração e outros corações

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Simone de Beauvoir

Simone aos 40 anos

Ontem, 9 de janeiro, comemorou-se o nascimento de Simone de Beauvoir. Lembro-me de seu livro O Segundo Sexo, de 1949. Clássico feminista. A tese:  as mulheres não nascem mulheres, mas se tornam mulheres. A condição feminina é mais do que uma demarcação biológica, é desenhada pelos mitos disseminados pela cultura. O livro punha em xeque a maneira como os homens olhavam as mulheres e como as próprias mulheres se enxergavam. Essas ideias chocaram os jovens das décadas de 1950, 1960 e até 1970 eram parte das questões debatidas entre as mulheres e entre seus companheiros.  As idéias de Simone foram um norte para muitas das experiências que as mulheres passavam e contribuiu para mudar nossas trajetórias como mulheres, como mães, para o bem e para o mal.

Muita coisa não era novidade para mim. Fui criada por duas famílias nas quais as mulheres davam o tom. Minhas avós eram de origem humilde. sabiam o que conduzir seus destinos. Portuguesas e italianas que trabalhavam, criavam filhos e lidavam pela sobrevivência entre o feminino  e as prepotências do masculino. Mas, eu não me lembro de meus avôs tomarem atitudes machistas. O machismo estava nas relações entre os vizinhos, na cidade, na convivência com o grupo de homens. Afinal, os homens da cidade eram os alfa das situações. Minha avó italiana, dona Rosalina, era em casa A mulher. Seus irmãos mais velhos tinham dois casamentos simultâneos. Ela aprovava. Afinal, mulher..., mas meu avô era só dela (pelo menos era o que pensávamos). Mas eu nunca a vi tendo pudores burgueses. Nada. Os tempos eram de sobrevivência e criar os filhos. Mantê-los juntos. A ideia de que as mulheres tinham que ir à luta para ter uma profissão, um emprego, ficar mais livre dos maridos, vinha da vida de minhas avós. Minha avó portuguesa era costureira e ajudava na manutenção da casa. Isso nas décadas de 1930, 1940. Os maridos eram parceiros na casa. Meu avô Joaquim fazia mamadeiras para os filhos sem nenhum problema. Em 1930.  

Mas, mesmo tendo na minha família mulheres lutadoras, uma dimensão estava cristalizada, a da liberdade de nosso corpo, de casar ou não, de ter filhos ou não. Daí que a inspiração maior de Simone de Beauvoir: a ideia de liberdade da sexualidade, da condução de nossas próprias vidas, de achar nosso rumo sozinhas. E nisso tudo distoava de minhas avós, das mulheres de sua geração. Sair da rígida relação moral, das garras da religiosidade, do vestido de noiva e de brincar de casinha mesmo para essas operárias que já lutavam quase sozinhas era uma heresia. Além disso, Simone de Beauvoir trazia mais uma questão: a política que os homens e mulheres burguesas faziam. Militante de esquerda, era contra o nazismo, contra as ditaduras... contra o machismo da esquerda.

Nessa seara, a da condução de nosso próprio corpo e vida, a luta foi diferente para mim. Mesmo minha mãe, outra lutadora como minhas avós, queria que eu me estabilizasse talvez com um casamento, desde que eu tivesse um bom emprego. Minha mãe sempre dizia: não se case sem emprego. Isso cria uma relação de imposição e opressão. Mas tanto meu pai como minha mãe nunca preconizaram casamento como a união para sempre. Não deu, a fila anda.

Da França para as moças brasileiras de classe média, havia um vácuo. Para mim foi a insegurança que tínhamos em conduzir nossas vidas e corpos. Entre ter um emprego e viver sua sexualidade levar uma vida mais família, havia o medo, a dúvida que impunham uma existência errante.

O que tenho, temos ainda de Simone? Exatamente a ideia de autonomia, de condução da vida.

P.S. Vejo mulheres hoje que são lutadoras, mas põem seus maridos para fazer certos serviços sujos para elas. Mantêm escravos que, inclusive, discursam para elas. Maridos que fazem o marketing de suas esposas. Odeio essa relação subalterna às avessas. Moleques de recado. Aih, que show de horror. Certamente, Simone de Beauvoir criticaria essa lutadoras. Escreveria outro livro, O terceiro sexo? Se não podemos ser dominadas, também não podemos dominar. Simples assim.


Leia o livro.

  • [PDF] 

    Segundo Sexo

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