CIÊNCIA SEM COMUNICAÇÃO DE CIÊNCIA?
Do Blog RERUM NATURA
Transcrevo aqui o artigo de opinião, publicado no Público este sábado, da autoria dos membros da Comissão Organizadora do Congresso de Comunicação de Ciência - SciCom Portugal 2013, a propósito da extinção da área de promoção da ciência e tecnologia da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Nos últimos anos, o Estado Português tem investido numa área científica chamada Promoção e Administração de Ciência e Tecnologia (PACT), atribuindo 7 a 11 bolsas de doutoramento e pós-doutoramento por ano desde 2005. Esta era a única área transdisciplinar em todo o leque disponível nos concursos de bolsas individuais que a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) tem atribuído anualmente, tanto pelo perfil do painel de investigadores que fazia a avaliação das candidaturas (um matemático/divulgador científico, um especialista de Ciências de Educação e um de Ciências Sociais) como pelos percursos e projectos dos bolseiros seleccionados, que cruzam áreas de conhecimento em projectos que promovem e divulgam ciência junto de públicos-alvo tão díspares quanto os existentes na sociedade portuguesa.
Graças a essas bolsas pudemos ter ciência num grande festival de música, ciência em espectáculos de stand-up comedy, ciência em livros, ciência em documentários, ciência portuguesa na imprensa estrangeira, ciência nas redes sociais, ciência em pacotes de açúcar e em chávenas de café, ciência na televisão, rádio e jornais. Para além de encontrar formas inovadoras e apelativas de comunicar ciência, estes bolseiros também se dedicaram a avaliar o impacto das suas actividades junto dos vários públicos e a publicar os seus resultados, submetendo-os ao processo de revisão pelos pares característico da produção científica. Ou seja, estes investigadores não só fizeram comunicação de ciência como conseguiram que a comunicação de ciência de afirmasse como ciência ela mesma em Portugal, a exemplo do que sucede noutros países.
Em Maio deste ano, organizámos o 1º Congresso de Comunicação de Ciência em Portugal, que permitiu que os profissionais que se dedicam a esta área se reunissem e conhecessem o trabalho uns dos outros. O congresso reuniu mais de duzentos profissionais durante dois dias e foi surpreendente e recompensador verificar a quantidade e qualidade do trabalho que tem sido feito em Portugal. Analisando os trabalhos seleccionados, verifica-se que a fonte principal de financiamento desta área é a FCT e que cerca de metade dos trabalhos científicos provinham de bolseiros PACT.
Contudo, no preciso momento em que a comunidade se orgulha do trabalho feito e se congratula pelos objectivos atingidos, coisa rara nos dias de hoje, verificámos o desaparecimento das PACT no actual concurso de atribuição de bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento da FCT, que decorre até dia 19 de Setembro. Este ano, à semelhança do que se está a esboçar para os futuros financiamentos europeus, a comunicação e promoção da ciência deixa de ser uma área própria e passa a ser incluída no seio das restantes áreas do saber, podendo as candidaturas deste domínio ser apresentadas à área que pareça mais adequada. Fica-se assim dependente da bondade de estranhos, dependente de que o presidente de cada um dos painéis das diversas áreas científicas considere estas candidaturas suficientemente interessantes para convocar peritos externos ou de outros painéis para poder avaliar em toda a sua real dimensão a importância e potencial impacto do projecto e assim lhe atribuir uma nota, permitindo-lhe concorrer com as demais propostas.
Este procedimento suscita-nos várias reservas: a primeira, óbvia, é a dúvida de que, num contexto de redução de bolsas, um painel de avaliação decida financiar projectos de comunicação de ciência em detrimento de outros específicos da sua área, se não houver para isso uma indicação clara por parte da entidade financiadora. A segunda, provém do receio de que a eliminação da única área verdadeiramente interdisciplinar destes concursos, sem apresentar qualquer alternativa, possa significar a morte a curto prazo do que apenas agora estava a começar a dar frutos, o que seria um lamentável desperdício do investimento feito. Mais nos surpreende esta decisão depois da participação do Ministro da Educação e Ciência no Congresso de Comunicação de Ciência, há apenas quatro meses, onde, depois de referir o “progresso extraordinário” feito nesta área nos últimos anos, sublinhou a importância das actividades da comunicação para a própria ciência e tecnologia e até para a economia.
Note-se que, a acompanhar o crescimento do sector, começou também a haver oferta formativa para profissionais (e aspirantes) em comunicação de ciência: mestrados, cursos livres, cursos de verão e até um doutoramento. Para quê? Para quem? Um aumento de recursos especializados, de qualidade, que esbarra numa porta que se fecha.
As bolsas PACT têm (tinham), decerto, as suas limitações. Mas, em vez de assistirmos à sua evolução para propostas mais consistentes, como seria desejável, que dessem sequência ao reconhecimento da importância deste trabalho já feito pela tutela, constatamos o seu desaparecimento. Perante a extinção das bolsas PACT é fundamental que os profissionais da área (que têm as suas bolsas em curso, ou potenciais candidatos (que tinham já a sua candidatura preparada) percebam qual a estratégia da tutela para a comunicação de ciência, o que exige um esclarecimento público do Ministério da Educação e Ciência e da FCT e a explicitação das novas regras de candidatura inerentes a estes casos.
Está online desde 30 de Agosto um Manifesto pela Comunicação da Ciência em Portugal, de apoio à continuação das PACT, que subscrevemos.
Joana Lobo Antunes, José Vítor Malheiros, Sílvia Castro, Sílvio Mendes
Membros da Comissão Organizadora do Congresso de Comunicação de Ciência - SciCom Portugal 2013
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