Do coração e outros corações

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terça-feira, 25 de agosto de 2015

Revolto-me, logo existo.

Revoltar-se: um convite de Albert Camus à vida

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Revolto-me, logo existo.
Albert Camus
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Em tempos de indignação, rebeldia e insatisfação, todas as tragédias e misérias são postas em relevo. Logo, tais sentimentos pressupõem uma tomada de consciência. A partir disso, a busca por uma unidade, por uma explicação total da própria existência e do mundo,  leva o ser humano a esbarrar em muros – os muros do absurdo. 
Após a constatação desse conflito “homem-mundo”, Albert Camus (1913-1960) teoriza que o ser humano partiria para um confronto com a vida, revoltando-se. É quando o espetáculo da opressão se torna incapaz de arrancar risos – configurando o momento da lucidez -, quando há a recusa ao conforto da tirania e da servidão. O absurdo configuraria essa tensão entre as aspirações humanas e a realidade vivida que, quando constatada, induziria o ser humano ao reconhecimento da inutilidade das regras morais e dos ideais iluministas. Diante os “muros do absurdo”, o indivíduo percebe o quão limitada e inacabável é sua razão.
No antagonismo entre “viver ou matar-se”, Camus reflete sobre  o sentido da existência humana cravada no absurdo. Seu pensamento se desdobra não para o suicídio, mas se converte em convite à vida através do “revoltar-se”. O ímpeto de ação na revolta retira o caráter individual da absurdidade da existência, posto ser uma condição coletiva. O ser humano, guiado por esse novo cogito, experimenta o absurdo não mais de maneira independente, mas solidariamente: 
”Na experiência do absurdo, o sofrimento é individual. A partir do movimento de revolta, ele ganha a consciência de ser coletivo, é a aventura de todos.”(Camus, In: O homem revoltado)
O ser humano reconhecendo-se no outro e insatisfeito com a condição partilhada, confronta-se com o modelo teísta, devido a não mais se conformar com as explicações de cunho religioso. Torna-se, pois, o que Camus intitula como revoltado metafísico, destruindo tudo que não é profano. Então, “se não há Deus, tudo é permitido”? A sentença de Ivan Karamázov, porém, mostra-se deveras equivocada.  Ora, a liberdade desregrada pode ser tão bárbara quanto a servidão contra a qual o homem revoltado se insurgiu. Logo, essa liberdade surgiria, segundo o filósofo argelino, com a consciência do absurdo – não mais se faria planos para o futuro, como se este estivesse sob o domínio humano – e de maneira limitada,  visto ser temporal – não mais se aspira à eternidade e nem se possui mais algum sentimento de esperança.
O ser humano, em sua solitude, passa a ser o responsável pelo que vive, carregando, ele mesmo, sem ilusões, o peso de sua própria existência. A rejeição ao Criador logo constrói o império dos humanos, passando-se à revolta histórica. O ser estranhado não mais está inserido no universo místico – razão a qual a revolta histórica só surge a partir da Revolução Francesa. A experiência do filósofo argelino no movimento da Resistência no jornal clandestino Combat após a ocupação nazista, estimulou sua oposição à violência e ao totalitarismo. Assim, a revolta camusiana encontrará limites exatamente na dignidade do outro. Por isso, Camus condena a revolução, pois esta toma a história como absoluta na medida em que eleva um ideal acima do ser humano, priorizando a verdade da história e tornando-a um valor absoluto, conduzindo-a à mutilação do outro. A imagem do filósofo logo aproximou-se à de reacionário, sobretudo após sua obra O homem revoltado, uma vez que seu pensamento se distanciou do ideário revolucionário – razão para seu rompimento com Sartre e muitos outros simpatizantes do ideário revolucionário francês da época.
camus1A mitologia grega nos dá uma clara explanação de ambos os tipos de revolta supracitados. A primeira, exemplificada por meio do mito de Prometeu, que é castigado pelos deuses por sua ousadia, naturalizando sua condição de sofrimento; e a segunda, personificada por Sísifo, que se revolta ao tomar consciência de sua condição. A revolta nasce, então, não apenas em um grupo ou classe social, mas em todo ser humano ciente da absurdidade existencial. Primeiro, como reação natural ao absurdo, identificando este como inevitável; depois, como insubmissão ao absurdo, não perdendo jamais a lucidez.
Todo o progresso, a ciência e a razão reverenciados pelo Iluminismo guiaram os seres humanos para um mundo regido por forças impessoais. Tendo vivenciado a eclosão das guerras e ideias totalitárias que marcaram o século XX, Camus não nos apresentou apologias ao niilismo ou reverência a valores transcendentais como resposta ao absurdo, mas o confronto com o mundo. A revolta surgiu como possibilidade de dar um valor à vida, sem, contudo, negar o conflito homem-mundo irremediável. É preciso saber que a ordem do mundo não mudará, sem recorrer a um ente metafísico, protestando contra sua condição como a própria superação do niilismo, sempre carregando a paixão pela vida, uma irreprimível vontade de viver, uma indiferença ao futuro, desejando, enfim, tudo esgotar, aqui, no presente.

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