Do coração e outros corações

Do coração e outros corações

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Estamos envergonhados!

Texto de Célia Musilli
 
Vamos a Xapuri antes de vaiar os cubanos

Não havia me manifestado sobre a questão dos médicos cubanos. Aguardava para ver consolidada a avalanche de preconceitos que cercam o fato. Estamos inseridos numa sociedade racista, separatista e xenófoba. Uma sociedade onde as bobagens ditas em redes sociais muitas vezes passam batidas, mas quando flagradas mostram todo um viscoso preconceito, aquele lodo afundado nas mentes que brota em situações como essa. Realmente faltam médicos em Rondônia, no Acre, nos estados do Nordeste. E pergunto: onde estavam os idealistas brasileiros que se recusam a trabalhar nestes lugares distantes e inóspitos, porque lá não encontraram condições de exercer a profissão, antes da chegada dos cubanos? Onde estavam estes médicos quando faltou anestesia em Xapuri ou esparadrapo em Caapiranga? Precisou que os cubanos chegassem para virem à sociedade reclamar da falta de condições trabalho? Não conseguiram antes se organizar pa...ra atender aos doentes por quem prestam juramento de Hipócrates que, neste momento, me lembra palavrinha bem menos elogiosa?

Não preciso dizer que senti vergonha por quem vaiou os cubanos no Recife. Também me envergonho e lamento que uma colega de profissão, a jornalista Micheline Borges, do RN, tenha se expressado de forma tão desastrosa ao comparar as médicas cubanas a empregadas domésticas por causa da cor da sua pele. Ambas as profissões são dignas, as palavras da jornalista são uma tentativa de crítica que esboça enorme preconceito. A verdade é que muitos moços e moças que saem das faculdades de medicina, jornalismo e outras tantas não têm idealismo, sucumbiram ao consumo numa sociedade em que a medicina está ligada ao status, uma sociedade na qual a ideia de ser bom profissional é "se dar bem na vida”, ou seja, ganhar dinheiro.
 
Podem até ganhar mas nunca serão bons profissionais, falta verve, falta garra, falta vigor para tomar um barco e ir brigar em Xapuri, não só nas avenidas das grandes capitais brasileiras ou nos aeroportos onde vaiam cubanos.

Por outro lado, também conheço excelentes profissionais de saúde brasileiros. Sempre que preciso vou a hospitais públicos, abdiquei dos planos de saúde por falta de grana e também porque os considero parte da máfia.
 
No Sul e no Sudeste - nunca morei em outras regiões - sempre fui bem atendida pela saúde pública. Ontem mesmo fui muitíssimo bem atendida por uma enfermeira que, acredito, não vaiaria colegas de profissão, percebi que é solidária à causa humana, que deve ser a causa eletiva de um profissional de qualquer nacionalidade. Então, vamos à saúde sem fronteiras, à educação sem fronteiras e, sobretudo, à ética sem fronteiras que é o que mais falta neste momento no Brasil. Principalmente, vamos a Xapuri, só lá poderemos saber por que falta anestesia e esparadrapo.
Célia Musilli

 (Escrevo mais sobre o tema no próximo domingo na Folha de Londrina)
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