Do coração e outros corações

Do coração e outros corações

sábado, 15 de outubro de 2011

Unir a luta para mudar de vida de Rui Bebiano, Portugal, aqui

Protesto
Se excetuarmos os ricos, os néscios, os especuladores e a enfatuada babugem do poder e do sistema partidário que lucra sempre com a gestão da desgraça alheia, todos os portugueses – incluindo por certo os moradores no distrito do Funchal – acordaram hoje em estado de choque com as medidas do próximo Orçamento de Estado divulgadas por Passos Coelho. Não se tratou apenas de um golpe de tenaz sobre o poder de compra e até sobre a mera sobrevivência material da maioria da população, em particular a da outrora chamada classe média, propondo assim matar o doente com base na terapia escolhida. Nem foi só um exercício descarado de inabilidade política, revelando a incapacidade absoluta para apontar uma saída, uma escapatória, um gesto de ousadia capaz de deixar nos cidadãos, pelo menos, a presunção de que aquilo por que vão passar serve para alguma coisa. O discurso de Coelho foi sintomático da incapacidade para encontrar um caminho, ou sequer de conceber uma alternativa a ponderar, por parte de um universo político cobarde e pouco inteligente que só reconhece a administração daquilo que existe, desinteressando-se do caminho que leva ao que pode existir. Dito de outra forma: incapaz de perceber que a negra crise na qual mergulhámos de cabeça é uma crise de sistema, e que a única solução é mudá-lo. Não é deixar que nos afundemos levando connosco o melhor das nossas vidas.
Mas a tragédia que estamos a viver não passa apenas pelo facto de quem nos gere ser atavicamente incapaz de outro estímulo que não seja o do pau e o da cenoura açulados por Frau Merkl e os seus cúmplices. Passa também por o setor em condições de criar uma outra possibilidade permanecer desde há largos anos incapaz de a pensar e de a propor, separando o essencial do acessório, com uma maleabilidade tática, uma consistência e uma força política e moral em condições de mobilizar os cidadãos. O protesto, naturalmente, é necessário, incluindo o protesto de rua que é nesta altura o único escutado por quem tem a faca e o queijo na mão. E por isso é importante que as manifestações deste sábado sejam concorridas e vibrantes, ainda que não se concorde integralmente com o discurso político que enforma algumas delas. No entanto, não adianta muito clamar contra a injustiça, bradar contra os ataques aos direitos das pessoas comuns – e não apenas «dos trabalhadores» – se não existe a possibilidade de, em termos práticos, definir uma plataforma de entendimento para a alternativa. Capaz, em consonância com uma forte opinião pública e um movimento social amplo e não-sectário, de apontar para uma saída credível. O pior de tudo, neste momento, não é apenas a aproximação do espetro da miséria e do estilhaçamento brusco da qualidade de vida da maioria dos cidadãos: é a ausência de esperança e do enunciar claro da probabilidade de uma saída. E aqui também os partidos, movimentos e correntes políticas críticos do neoliberalismo e dos seus desmandos têm responsabilidades. Eles têm sido incapazes de criar uma real alternativa, refugiando-se, desde há décadas, na mera política do protesto. Preocupados com a reivindicação e o combate pelo poder, mas não com uma larga convergência de objetivos e a sustentabilidade de um futuro solidário projetado para além do imediato e das fronteiras dos Estados. Ora como só a preparação deste futuro pode abrir uma clareira na floresta cheia de lobos e despenhadeiros na qual andamos às voltas, é tempo de mudarem de estratégia. E com a maior urgência.

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