ENTREVISTA
- PAOLO GERBAUDO
Objetivo
de manifestações é nova forma de democracia
Sociólogo
italiano critica presidente Dilma e diz que protestos voltarão em "novas
ondas e novas formas"
Bernardo
Mello Franco de Londres para Folha de SP, 8.7.13
Desde
que a Primavera Árabe estourou, em 2011, o sociólogo e jornalista italiano
Paolo Gerbaudo viaja o mundo para estudar protestos que tomaram as ruas de
grandes cidades da África, da Europa e dos Estados Unidos.
Professor
da universidade britânica King's College, ele se tornou um dos principais
pesquisadores da onda de manifestações organizadas nas redes sociais, que
chegou ao Brasil com força em junho.
No
livro "Tweets and the streets" (Pluto, 2012; sem tradução em
português), Gerbaudo aponta semelhanças entre movimentos de diferentes países
como o Occupy Wall Street, nos EUA, e os indignados, na Espanha.
Convidado
a falar sobre o caso brasileiro, Gerbaudo diz que os manifestantes cobram um
novo tipo de democracia, com mais transparência e participação popular, e que
os partidos que não souberem se renovar podem caminhar para a extinção.
Ele
critica a resposta da presidente Dilma Rousseff às bandeiras do movimento e
prevê que os protestos, que esfriaram nos últimos dias, voltarão em "novas
ondas e novas formas". Leia a seguir alguns trechos da entrevista:
Folha
- O sr. estudou manifestações impulsionadas pelas redes sociais em países como
Egito, Espanha e Turquia. O que elas têm em comum com os protestos no Brasil?
Paolo
Gerbaudo - Da Primavera Árabe ao Occupy Wall Street, os ativistas se definem
como integrantes de movimentos de praças. Eles veem praças e ruas como pontos
de encontro da sociedade para protestar contra as instituições. O caso
brasileiro é mais complexo, porque envolveu várias cidades, mas também houve a
ocupação de lugares que simbolizam a nação, como o Congresso.
A
noção de povo é a chave para entender esses novos movimentos. A alegação básica
deles é que representam todo o povo, e não apenas uma classe, na luta contra um
Estado visto como corrupto. Isso os diferencia dos movimentos antiglobalização,
que reuniam minorias e tinham um espírito global.
Esses
novos movimentos são nacionais, dirigem suas reivindicações a cada país. Isso
fica claro numa frase que foi muito usada nos cartazes brasileiros:
"Desculpe o transtorno, estamos construindo um novo país."
Redes
sociais como o Facebook têm papel importante nessas mobilizações. O que elas
mudam no jogo político?
A
ascensão das redes sociais permite que a sociedade se organize de forma mais
difusa, especialmente as classes médias emergentes e a juventude das cidades.
Isso desorientou os políticos e os velhos partidos, que estavam acostumados a
buscar consensos através dos meios de comunicação de massa.
Os
partidos têm pouco a fazer diante das novas formas de comunicação mediadas
pelas redes sociais. A não ser que mudem completamente as suas práticas,
baseadas no velho sistema de quadros e caciques locais, e se abram para novas
formas de participação popular.
No
Brasil, militantes com bandeiras de partidos foram expulsos de vários protestos.
Isso
é muito comum nesses movimentos, porque os manifestantes querem ser vistos como
uma onda única. No Egito, os militantes de partidos também foram impedidos de
mostrar suas bandeiras na praça. Só permitiam o uso da bandeira nacional.
Como
eles dizem representar toda a nação, são contra todos os elementos que podem
dividir as pessoas na luta contra um inimigo comum, representado pelo aparato repressivo
do Estado.
Em
geral, eles dizem que não há ideia de esquerda ou de direita, o que existe são
ideias boas e ideias ruins. Sonham com uma política sem partidos políticos.
Qual
é o significado disso?
É
um discurso populista. Isso emerge em alguns momentos na história que Antonio
Gramsci [1891-1937] chamava de "interregnum". É quando um sistema de
poder está em colapso, mas seu sucessor ainda não se formou.
Nesses
momentos, aparecem o que Gramsci chamava de sintomas mórbidos. Fenômenos estranhos,
criaturas monstruosas e difíceis de serem decifradas. Hoje, as criaturas
estranhas são esses movimentos populares.
Para
eles, a classe política rompeu o contrato social que sustenta o sistema
representativo. O acordo era: Vocês, o povo, nos concedem o poder. Em troca,
nós atendemos às suas demandas'. Agora, as pessoas percebem que a classe
política só está atendendo à sua própria agenda.
Há
um problema fundamental na democracia representativa como ela existe hoje. Ou
os partidos encontram um caminho para reconquistar legitimidade, ou vão ser
superados por novos partidos sintonizados com as demandas da sociedade
pós-industrial de hoje.
A
crítica à partidocracia é legítima. Por outro lado, às vezes parece haver nos
movimentos uma crença quase religiosa de que é preciso eliminar todas as
mediações.
Em
que sentido?
Eles
parecem ter a ilusão de que a solução é eliminar os partidos, os sindicatos.
Essa ideia em si é muito problemática e ingênua. É uma ideia religiosa,
absolutista, que compete com a democracia. A política é uma obra coletiva, não
um agregado de indivíduos. São blocos diferentes que interagem. Para isso, você
precisa dos partidos. Eles sempre existiram e sempre vão existir.
Este
sentimento contra os partidos pode ameaçar a democracia como a conhecemos?
Existe
um risco. Os momentos de "interregnum" oferecem bifurcações. Estamos
num momento de crise sistêmica mundial. O Brasil está melhor que outros países,
mas também está desacelerando. Nesses momentos, podem emergir forças
progressistas ou reacionárias. É preciso ver se a esquerda vai saber
interpretar o espírito do tempo ou se vai adotar uma postura defensiva.
Há
uma demanda correta por renovação moral, mas setores mais reacionários podem
explorá-la para fins antidemocráticos. A ideia de que a política tem que buscar
"o bem" é ingênua, representa uma visão em preto e branco. Maquiavel
dizia que o caminho para o inferno é pavimentado de boas intenções.
Como
os protestos afetam a esquerda (sic) brasileira, que está há 10
anos no poder com o PT?
Em
tese, o que está sendo cobrado no Brasil não precisaria estar sendo cobrado de
um governo do PT. As pessoas estão pedindo escolas, hospitais. Para um governo
de esquerda, é constrangedor estar sendo pressionado com pedidos de coisas que
ele já devia estar fazendo.
O
aumento da tarifa dos ônibus não foi tão grande, mas se tornou um símbolo de
outros problemas. Foi a gota que fez o copo transbordar.
Há
outro problema. Os governos do PT proporcionaram muitos avanços na área social,
mas os casos de corrupção, clientelismo e compra de votos minaram a
legitimidade moral do partido.
Também
há um problema de representação. O PT foi criado para representar os
metalúrgicos das fábricas. Nós agora vivemos numa sociedade pós-industrial. Há
uma nova classe média cheia de designers e trabalhadores criativos, por
exemplo, e eles não têm uma rede de proteção que os atenda. Há uma mudança
histórica, mas os partidos e sindicatos tradicionais não têm demonstrado
capacidade para entendê-la.
Na
tentativa de responder aos protestos, a presidente Dilma Rousseff já propôs uma
constituinte exclusiva e um plebiscito para fazer a chamada reforma política.
Isso é suficiente?
Eu
duvido que as promessas de Dilma sejam suficientes para acalmar a ira popular.
Ela pode atender a pedidos específicos, mas a essência das manifestações vai
além de demandas concretas. A luta principal é por uma nova forma de
democracia, na qual os partidos não poderão mais lidar com os cidadãos apenas
de quatro em quatro anos.
A
solução para isso seria uma mudança constitucional ampla, bem além da que Dilma
propõe. É preciso abrir espaço a novas formas de controle popular sobre os
políticos, mais transparência contra a corrupção, novos instrumentos de
democracia direta e consulta popular.
As
manifestações no Brasil esfriaram nos últimos dias. Com base no que aconteceu
em outros países, elas estão fadadas a desaparecer?
Devido
à ausência de uma estrutura formal, esses novos movimentos populares tendem a
sumir com a mesma velocidade com que aparecem. É impossível manter uma
mobilização de massa a longo prazo, como se viu nos indignados da Espanha ou no
Occupy Wall Street.
Mas,
assim como aconteceu lá, é de se apostar que o outono brasileiro' vai ressurgir
em novas ondas e novas formas. Estamos vivendo tempos revolucionários, em que
as pessoas voltaram a sentir que podem mudar o mundo. Veja o que está
acontecendo agora no Egito.
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