Do coração e outros corações

Do coração e outros corações

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

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Amar-te Assim Perdidamente

"Amour", de Michael Haneke
Amour”, de Michael Haneke
Amour” é um dos mais lúci­dos, sere­nos e ter­rí­veis poe­mas de amor da his­tó­ria do cinema. Geor­ges e Anne (Jean-Louis Trin­tig­nant e Emma­nu­elle Riva, dois sím­bo­los vivos do cinema fran­cês) são um casal de octo­ge­ná­rios refor­ma­dos. Anti­gos pro­fes­so­res de música, gozam uma exis­tên­cia con­for­tá­vel num espa­çoso apar­ta­mento de Paris. Mas Anne sofre um AVC, que a para­lisa do lado direito e a torna depen­dente dos cui­da­dos do marido. Acon­tece um segundo aci­dente car­di­o­vas­cu­lar, o cére­bro é afec­tado, surge a demên­cia pro­gres­siva, e Geor­ges, pouco a pouco, dá por si a habi­tar com a débil som­bra da mulher que amou, e que con­ti­nua a amar. “Amour” é um filme ines­pe­rado na car­reira de Michael Haneke. O aus­tríaco, um dos mai­o­res cine­as­tas con­tem­po­râ­neos,  tem o pes­si­mismo como “modus ope­randi” e a perda como ter­ri­tó­rio de elei­ção: a perda de equi­lí­brio fami­liar (o sui­cí­dio colec­tivo de “O Sétimo Con­ti­nente”, 1989), a perda da segu­rança do lar (a tor­tura caseira em “Funny Games”, 1997), a perda de vasos comu­ni­can­tes entre paí­ses, reli­giões, etnias (“Código Des­co­nhe­cido”, 2000), a perda do Eu (“A Pia­nista”, 2001), a perda de tole­rân­cia para lidar com a memó­ria (a obra-prima “Caché”, 2005). Ao longo desse cami­nho, Haneke vai patru­lhando as fron­tei­ras da mora­li­dade. “Amour” man­tém a perda como cen­tro,  mas é o pri­meiro filme de Haneke onde a com­pai­xão triunfa. Aos 70 anos, ele chama dois acto­res que se tor­na­ram vede­tas na década de 50, concentrando-se na velhice e, pela pri­meira vez, o seu olhar ama a coisa olhada: Geor­ges cuida de Anne, ouve-a, cala-a, incentiva-a, leva-lhe a comida à boca, ajuda-a a levantar-se da sanita, limpa-lhe os len­çóis, muda-lhe as fral­das, e a sua deli­ca­deza, a sua revolta, a sua tran­qui­li­dade, o seu deses­pero ape­nas refor­çam o amor que por ela sente. Trin­tig­nant mostra-se de uma jus­teza impe­rial, Riva é sim­ples­mente extra­or­di­ná­ria e, com eles — por eles — Haneke sus­pende a crença na irre­du­tí­vel per­ver­si­dade do ani­mal humano, concedendo-lhe o bene­fí­cio da dúvida, às por­tas da morte. Trata-se de um pequeno mila­gre. E de um grande filme.

Publi­cado na revista “Sábado”

Um comentário:

  1. Marta: Michael Haneke, diretor de Amour, mostrou que sabe o que faz sempre. Veja todos os outros filmes dele.

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