Do coração e outros corações

Do coração e outros corações

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Unicamp


do Blog de Roberto Romano
QUINTA-FEIRA, 21 DE JUNHO DE 2012
Campinas, 18 de junho de 2012 a 24 de junho de 2012 – ANO 2012 – Nº 530 
QUESTÃO DE PELE
Pesquisas sobre fragrâncias levam em conta 
composição da microbiota cutânea
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As sensações olfativas provocadas pela utilização de perfumes podem variar de indivíduo para indivíduo. As mulheres sabem muito bem disso. Ninguém compra um perfume apenas com base na fragrância desprendida do frasco ou exalada por outra pessoa sem antes testá-lo na própria pele. As explicações para essas diversidades de comportamentos interessam sobremaneira à indústria de fragrâncias e seus perfumistas preocupados com formulações que possam atender o consumidor da melhor forma possível. 

A aceitação de um cosmético pelo consumidor é fortemente influenciada pela sua fragrância. Diante disso, existe uma grande preocupação por parte da indústria em oferecer produtos estáveis, com características organolépticas inalteradas ao longo do tempo de armazenamento e de utilização. 
Embora os insumos utilizados nesses produtos devam apresentar propriedades toxicológicas conhecidas, muitos deles podem sofrer degradação em contato com ar, luz e calor, ou ainda, por meio do metabolismo cutâneo, dando origem a substâncias que podem alterar seu odor e até causar algum tipo de reação alérgica. Nos cosméticos, as fragrâncias são as principais causadoras de alergias.

Apesar dessa constatação, poucos são os relatos divulgados sobre a degradação química de insumos de fragrâncias em contato com a pele e nenhum deles leva em conta a composição microbiana cutânea, chamada genericamente de microbiota da pele.  Estima-se que existam no corpo humano aproximadamente 100 milhões de células de micro-organismos. 

Neste contexto, pesquisas que considerem possíveis reações de degradação desses insumos provocadas pela microbiota da pele humana podem trazer informações valiosas para a avaliação da toxidade, estabilidade e aceitabilidade de produtos cosméticos em geral e dos perfumes em particular.
Sabe-se, também, que fatores ambientais como temperatura, umidade e exposição à luz, além dos ligados ao hospedeiro, como gênero, genótipo, status imune e uso de cosméticos, podem afetar a composição e a distribuição microbiana da pele. Inúmeros pesquisadores consideram ainda que a microbiota desempenha papel importante no sistema imune da pele.

Entretanto, pouco se conhece sobre os conjuntos de espécies presentes em amostras cutâneas e suas atividades enzimáticas, importantes porque as enzimas constituem catalisadores biológicos que têm papel essencial no metabolismo humano e, particularmente na pele, são imprescindíveis nos processos de absorção e eliminação de componentes.

Diante desse quadro, a química Carla Porto da Silva, que atua há cerca de sete anos como pesquisadora de uma grande empresa de perfumes e cosméticos, desenvolveu estudo visando a determinação do potencial enzimático da microbiota da pele humana.

Ela vinculou esse potencial às principais reações de degradação de formulações de cosméticos, mais especificamente, a uma seleção de insumos de fragrâncias, os quais fazem parte de um conjunto de quatro a cinco mil substâncias naturais, como óleos essenciais e ainda compostos sintéticos, presentes e mimetizados da natureza. 

Ao se dar conta de que um dos grandes problemas dos perfumistas era desenvolver fragrâncias para todos os públicos e ao se deparar com a falta de estudos sobre os processos bioquímicos que podem alterar os componentes das fragrâncias em contato com a pele, ela se propôs a responder a duas grandes questões: por que as fragrâncias podem manifestar efeitos diversos em pessoas com diferentes tipos de pele e quais os mecanismos que levam a tais comportamentos?

O estudo

Para o desenvolvimento da tese em que se propôs a determinar o “Potencial enzimático da microbiota da pele humana e sua ação sobre insumos de fragrâncias”, Carla recrutou 55 voluntários levando em conta parâmetros como faixa etária, sexo e miscigenação da população, que pode ser representada pela seleção de diversos fototipos de pele (classificação relacionada à quantidade de melanina). 

Os resultados obtidos foram avaliados com o intuito de relacionar o tipo de microbiota coletada com reações de degradação dos principais componentes de fragrâncias, levando em conta as diferenças intrínsecas de cada voluntário.

Além disso, a pesquisadora se preocupou em caracterizar a presença de fungos filamentosos, observando uma grande diversidade deles, ainda pouco descrita na literatura, isolando e identificando diversos de seus representantes.  Ela considera este um fato relevante porque a maioria dos trabalhos se atém apenas às composições da microbiota bacteriana e pouco se sabe, em decorrência, sobre a identidade dos outros tipos de micro-organismos presentes na pele. A pele humana constitui um ambiente dinâmico, hospedando uma variedade de organismos, incluindo bactérias, vírus, fungos e outros parasitas, explica.

 Para Carla, os dados obtidos demonstraram que os vários tipos de pele devem ser levados em consideração nas formulações de uso tópico a fim de atingir alvos específicos, tendo em vista que a pele humana não é um ambiente estéril, mas sim um microbioma complexo.
“Desta forma, o potencial de biotransformação de insumos cosméticos pela microbiota da pele constitui um fator relevante e poderá auxiliar na busca de produtos mais eficazes, seguros e versáteis”, diz ela.  O escopo da tese foi tentar entender a microbiota da pele humana em que um conjunto de micro-organismos que a defendem de patógenos causadores de infecções exerce um papel de equilíbrio do ecossistema.

A propósito, ela diz que em artigos recentes, cientistas norte-americanos mostram que a colonização de micro-organismos depende do local do corpo, com diferentes espécies associadas a ambientes úmidos, secos e sebáceos (oleosos). Em geral a diversidade bacteriana é menor em regiões sebáceas, encontrando-se as comunidades bacterianas mais diversas localizadas na parte interior do antebraço e as com menos espécies atrás das orelhas.

A pesquisa teve como principais objetivos mapear o potencial enzimático de micro-organismos de pele humana; correlacionar as atividades enzimáticas predominantes nos consórcios de micro-organismos coletados dos voluntários do estudo; isolar os fungos filamentosos encontrados nas coletas e identificar aqueles que apresentaram atividades enzimáticas mais expressivas;  além de avaliar o impacto da microbiota da pele sobre os insumos de fragrâncias.

Resultados

Para a realização da coleta da microbiota da pele humana de maneira adequada, o primeiro passo foi selecionar a área de coleta, levando em conta as regiões da pele com maior incidência de alergias, conforme descrito na literatura.  Em vista disso, a região do pescoço – abaixo das orelhas – e o colo foram os locais escolhidos para a realização dos ensaios preliminares.

O segundo passo foi buscar o melhor método de coleta da microbiota da pele, considerando duas premissas: utilização de um método não invasivo e obtenção de uma amostra representativa e diversificada da microbiota presente na região da coleta. Os micro-organismos foram coletados utilizando três diferentes tipos de meios de cultura: uma para bactérias, uma para leveduras – que são fungos não filamentosos –  e outro para os fungos propriamente ditos – os filamentosos.

Como os relatos na literatura que contêm informações sobre a atividade enzimática dos micro-organismos da microbiota da pele são raros, a pesquisadora considera imprescindível obter dados sobre o perfil enzimático das comunidades microbianas encontradas na pele humana para promover o entendimento das suas possíveis funções na pele humana. No estudo, ela avaliou as atividades enzimáticas de consórcios de bactérias e leveduras, bem como de fungos filamentosos presentes nas amostras.

Segundo Carla, as coletas dos consórcios de bactérias e leveduras e dos fungos filamentosos da pele demonstram a grande diversidade microbiana que pode ser encontrada na pele, com diferenças significativas entre homens e mulheres e também entre os fototipos analisados.

Apesar da grande diversidade e complexidade das amostras avaliadas, ela considera que as técnicas utilizadas possibilitaram a construção de um perfil enzimático geral dos principais micro-organismos que constituem a microbiota da pele. Além disso, o trabalho proporcionou uma série de informações inéditas sobre os micro-organismos que compõem a microbiota da pele e a identificação de algumas das principais reações de biotransformação que podem ocorrer em importantes insumos de fragrâncias.

 Publicação
Tese: “Potencial enzimático da microbiota da pele humana e sua ação sobre insumos de fragrâncias” 
Autora: Carla Porto da Silva 
Orientadora: Anita Jocelyne Marsaioli
Unidade: Instituto de Química (IQ)

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