Do coração e outros corações

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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Crise imobiliária nos EUA



UNICAMP do Blog de roberto romano
Baixar versão em PDF Campinas, 13 de agosto de 2012 a 19 de agosto de 2012 – ANO 2012 – Nº 535
Economista vai na raiz da crise imobiliária
que atingiu os Estados Unidos em 2007
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Em um espaço de quase um século, a família norte-americana prosperou e passou não só a consumir mais, como também adquiriu um imóvel que começou a valorizar. Sobre este mesmo imóvel tomou mais crédito dos bancos, fez novas hipotecas, já que havia lastro: um imóvel que seguia valendo mais. O problema é que chegou o dia em que o processo foi interrompido e se reverteu, ou seja, o ativo real (imóvel) foi perdendo o valor, enquanto as dívidas só aumentavam. Foi o princípio da grande crise imobiliária de 2007 nos Estados Unidos, que desencadeou a crise financeira internacional em 2008.

Nas primeiras análises, o abalo ficou conhecido como crise do subprime. Isso porque os bancos deram crédito às famílias menos abastadas, com histórico financeiro ruim, o que teria propiciado a instabilidade. Na realidade, a questão é muito mais complexa, como observa o economista Everton Rosa, autor da dissertação de mestrado “O papel macroeconômico das famílias e a geração de fragilidade financeira“, orientada pela docente Simone Silva de Deos, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.  Rosa usou o caso norte-americano para comprovar o papel das famílias como agentes que, da mesma forma que as empresas e as instituições financeiras, podem tanto contribuir para o dinamismo da economia, como para o aumento de sua vulnerabilidade.

Para o pesquisador, as famílias do subprime apenas entraram em um processo de endividamento que já estava em curso. O aspecto importante seria justamente as dívidas contraídas pelas famílias intermediárias, algo que abrange ampla classe média e a classe trabalhadora. Após décadas de endividamento, juntam-se as famílias menos abastadas, quando o ciclo dos imóveis já estava se esgotando. O fato de grande parte dos economistas não atentar para estas questões era algo que incomodava o pesquisador.

Segundo ele, o instrumental desenvolvido para análise dos ativos e passivos das relações financeiras pode ser aplicado a qualquer contexto histórico e econômico, inclusive o brasileiro. “Se a renda e os mecanismos de crédito continuarem evoluindo no Brasil, acredito que, com o tempo,  as famílias brasileiras terão novas prioridades que excedem a dimensão e as motivações do consumo, como as aplicações financeiras e as decisões para o futuro”. Segundo o autor da pesquisa, o Brasil ainda precisaria criar mercados secundários e sofisticar seus instrumentos financeiros de longo prazo, bem como modificar a regulamentação do mercado imobiliário, para abrir uma possibilidade de fragilidade. “Até o momento, uma crise imobiliária no Brasil, como a americana, é uma possibilidade afastada”, ressalta Rosa. O crédito imobiliário, que foi o epicentro da crise de 2007, representa nos Estados Unidos, segundo o pesquisador, 65% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto no Brasil a porcentagem é de apenas 5%.

Dados do FED

Rosa optou por estudar a economia dos EUA justamente pela complexidade das relações financeiras do país e pelo capitalismo norte-americano ser o mais sofisticado, profundo e diverso em relação aos instrumentos financeiros, instituições de crédito e mercado de capitais. Também contribuíram para a pesquisa as vastas bases de dados disponibilizadas pelo Federal Reserve (Fed), que é o banco central norte-americano.

Sabe-se que a crise de 2007 ganhou as devidas proporções em função do processo de securitização e de difusão dos instrumentos derivativos. De um lado foram eliminadas as restrições aos empréstimos dos bancos e, de outro, permitiu-se a difusão de papéis financeiros derivados de compromissos de crédito nos diferentes investidores. A contribuição das famílias para explicar a crise era, de certa maneira, colocada em segundo plano. Em geral as análises se voltavam ao crédito para o consumo. Rosa avalia que as famílias devem ser vistas além de suas decisões de consumo, isto é, como agentes que constituem dívidas e adquirem ativos. “A forma como decidem sobre seus estoques de ativos e/ou dívidas tem efeitos sobre as próprias decisões de consumo, ou seja, ele pode ser estimulado, indo além das restrições de renda no caso do enriquecimento com ativos ou com acesso difundido ao crédito”, argumenta.

O crédito ao consumo, que pode alavancar a atividade econômica, apenas seria um fator de fragilidade caso as relações de endividamento fossem generalizadas entre as famílias e houvesse desemprego em massa. “Nesse caso, a contrapartida das obrigações financeiras é diretamente a magnitude da própria renda. Quando se trata de ativos, a comparação é direta com o valor da dívida”, diz. No caso estudado, o endividamento das famílias americanas era sobretudo de longo prazo, associado à aquisição de imóveis. “A abordagem da crise em geral foi de que as famílias se endividaram para o consumo pela facilidade do crédito. Eu coloco que a dívida não é para o consumo. As famílias se endividaram no longo prazo para a compra de ativos que se valorizavam. Essa valorização permitiu acesso a mais crédito e isso lastreou novas decisões das famílias, tendo inclusive reflexo na ampliação do consumo. É outra dinâmica”. Os norte-americanos tinham a sensação de ter enriquecido rapidamente, mas na realidade o que havia era um ativo carregado por uma dívida.

Rosa não está demonizando o crédito. “Nas economias desenvolvidas, o crédito representa em geral mais de 100% do PIB. A economia acelera pela disponibilidade de crédito”. No entanto, o endividamento das famílias sugere outros pontos: enriquecer com a valorização dos ativos representa uma atitude especulativa segundo o autor. “Elas podem não saber que estão especulando, mas quem só tem uma casa e decide aumentar o endividamento em vez de pagar a dívida ou exercer o ganho que teve, quer o ganho”. Ademais a crise dos EUA não teria sido conjuntural.

O pesquisador fundamenta sua opinião com base nos estudos de dados do Fed desde a crise de 1929, especialmente no pós-Segunda Guerra Mundial. “O endividamento das famílias norte-americanas é estrutural, parte constitutiva da economia daquele país desde o pós-guerra. O processo ganha maior dimensão nos anos 80 quando são realizadas reformas no setor financeiro em resposta à crise das instituições de poupança. A securitização e a forte presença de gigantes estatais (Fannie Mae e Freddie Mac) constituíram um amplo mercado secundário de hipotecas, garantindo a ampliação do crédito imobiliário e o acesso à casa própria. Nos anos 90, ocorrem novos saltos de endividamento até as crises de 2001 e 2007. O endividamento de longo prazo é o que indica a mudança no comportamento das famílias, sugerindo um papel mais dinâmico na economia”.

Cânones revisitados

As bases para o trabalho de Rosa estão em John Maynard Keynes e Hymman Minsky. Em 1936, Keynes, considerado o pai da macroeconomia, lançou “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”. Consumo e investimento determinavam a renda e o produto. “Já estava claro que as duas variáveis precisam ser analisadas conjuntamente” afirma o pesquisador, muito embora ressalte que a teoria keynesiana apresenta a especificidade de ter sido criada num período no qual a massa trabalhadora não tinha acesso ao sistema financeiro e a formas de renda eram distintas das do trabalho. “O padrão de disseminação do consumo e produção em massa começa a se desenvolver a partir de meados do século passado e, além da distribuição de renda e dos mecanismos do Estado de bem-estar social, a difusão do crédito foi fundamental neste processo”, acrescenta.

Já Minsky explorou as relações financeiras da economia descrita por Keynes, destacando o papel do financiamento das decisões, em particular do investimento a partir da Hipótese de Instabilidade Financeira (HIF). O próprio autor destacava que a abordagem dos ativos e passivos – e dos fluxos monetários que estes estabelecem – deveria ser aplicada a outros agentes da economia. Rosa trouxe a análise para as famílias. “Eu não podia olhar para o endividamento familiar a partir do enfoque keynesiano de curto prazo e sem incorporar os passivos. Minsky, por outro lado, seguindo e criticando a construção de Keynes, enfatizou os impactos da dívida no sistema, e embora tratasse de diversos agentes, volta sua exposição para as empresas e ao investimento. A crise imobiliária norte-americana não poderia ser avaliada com referência apenas na função consumo de Keynes”, salienta.

A conclusão do trabalho aponta para a importante evolução do papel das famílias na economia. Ressalte-se que, quando fala em “família”, Rosa está tratando da família em geral, uma vez que as mais ricas já estariam “sujeitas” aos fatores de crédito e de aquisição de ativos. “As relações financeiras que eram restritas aos mais ricos se generalizam. As famílias, de forma geral, apresentam uma inserção financeira dupla, via ativos e passivos. O crédito facilitado contribui, mas não justifica a crise norte-americana. As famílias tomam decisões que não estão relacionadas ao consumo e que afetam a economia, principalmente em função do acesso aos ativos reais, isto é, à facilidade de crédito somam-se as expectativas e motivações das famílias que excedem a decisão de consumo”.


Publicação
Dissertação: “O papel macroeconômico das famílias e a geração de fragilidade financeira”
Autor: Everton Sotto Tibiriçá Rosa
Orientação: Simone Silva de Deos
Unidade: Instituto de Economia (IE)

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