Do coração e outros corações

Do coração e outros corações

quarta-feira, 30 de maio de 2012

É phoda!



Carlos Cachoeira. Foto de Kadu Gomes

do SOLDA

Até a Pedreira? Putz!

do blog do SOLDA

O título acima tem endereço: a decisão, sem aviso prévio (ou um mês de edital é suficiente?), da prefeitura de Curitiba em ceder a Pedreira Paulo Leminski, a Ópera de Arame e o Parque Náutico para a iniciativa privada, em época de eleições municipais, sem debate com a cidade e com a promessa ao vencedor da concessão de que pode alterar o nome desses espaços.
Uma decisão dessas em ano eleitoral seria mais apropriada como plataforma de candidato:
1-“Se eleito for, prometo entregar nossos principais espaços artísticos para quem tem dinheiro e vocação cultural”.
2-“Prometo que quem ganhar a concorrência poderá jogar fora o nome do poeta Paulo Leminski e colocar, se quiser, Pedreira do Banco de Dinheiro, Ópera da Televisão 00, Parque da Cia Paulista e Carioca Olá de Lazer”.
3- “Prometo que o vencedor poderá usar o espaço por 25 anos e determinar o valor que quiser para receber espetáculos de outros produtores. Se quiser, pode ficar só para uso próprio”.
4- “Prometo que essas decisões abdicam de debate ou aprovação pública”.
5- “Isto posto, prometo que a abertura das propostas de preços já tem data marcada: 4 de junho de 2012. E endereço: Secretaria da Administração”.
As promessas, claro, devem vir acompanhadas de explicações:
1- “Nem a Prefeitura nem a Fundação Cultural de Curitiba tem competência e capacidade para cuidar desses espaços ou de fazer parcerias com a iniciativa privada com esse objetivo que visa adequá-los para receber espetáculos de vulto”.
2- “A parceria do investidor privado só será possível se a Prefeitura entregar os anéis e as mãos também”.
3- “O Centro de Criatividade de Curitiba permanece com a Fundação Cultural e vai receber dinheiro do “aluguel” da Pedreira, da Ópera e do Parque”.
4- “Como Ópera de Arame e a Pedreira Paulo Leminski foram inauguradas sem estar pronta (e isso no século passado), o vencedor da licitação tem que fazer o que a prefeitura deveria ter feito: aplicar dez milhões de reais na Ópera e cinco milhões na Pedreira”.
5- “Como Curitiba tem pouca arrecadação, o edital determina que do total da receita bruta arrecadada nos eventos de caráter privado nos espaços, no mínimo 4% serão destinados à Fundação Cultural de Curitiba e à Secretaria do Meio Ambiente. A Prefeitura tem mais é que cuidar dos postos de saúde, que estão à míngua, e contratar mais médicos, pois a fila de espera pode demorar anos”.
6- “Vote em mim, confio em seu voto”.
Adélia Maria Lopes

Grécia

do Blog de Joana Lopes, Portugal

Os gregos não pagam impostos?



Não pára a discussão sobre o tema, trazido de novo às «gordas» da comunicação social pelas recentes declarações da responsável pelo FMI, Christina Lagarde.

Talvez valha a pena citar Eric Toussaint, especialmente conhecedor dos meandros das dívidas e das suas raízes, que, em entrevista recente, recordou muito claramente o seguinte:

«Há algumas categorias da sociedade [grega] que não pagam impostos, mas não são os trabalhadores. Por exemplo, a Igreja ortodoxa não paga impostos, assim como todos os armadores de navios, que constituem um sector extremamente poderoso da economia grega. São os seus privilégios que alimentam os deficits e estes levam ao aumento da dívida pública.»

Não li o Memorando que o governo grego assinou com a troika. Mas gostava mesmo de saber se impõe a cobrança de impostos às duas entidades referidas por Toussaint: a Igreja ortodoxa e os armadores.

Você tem certeza de que é você quem deve?

Dívida pública, orçamento e gastos

Por Maria Lucia Fatorelli

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sublime!

Da Revista CULT

Leia poema inédito de Manoel de Barros


Poeta matogrossense, de 96 anos de idade, foi condecorado em Lisboa com o Prêmio Casa da América Latina



Manoel de Barros é o primeiro autor brasileiro a receber o Prêmio de Literatura Casa da América Latina/Banif, instituído em Portuagal em 2005.

Segundo o jornal “Público”, a “Poesia Completa” (no Brasil, lançado pela ed. Leya), de Manoel de Barros foi unanimidade entre os jurados, constituído por Maria Fernanda de Abreu, presidente do júri, pelo poeta e professor universitário Fernando Pinto do Amaral e pelo poeta José Manuel de Vasconcelos, representando a Associação Portuguesa de Escritores. É o primeiro livro de poesia a receber esse prêmio.

Impossibilitado de comparecer ao evento, sua filha, Martha Barros, receberá o prêmio oficialmente. O escritor, porém, fez questão de agradecer com um poema inédito.

Manoel de Barros, que nasceu em Dezembro de 1916 em Cuiabá, no Estado de Mato Grosso, foi considerado por Carlos Drummond de Andrade o “poeta maior” do Brasil e obteve ao longo da sua longa carreira importantes prêmios literários, como o Prêmio Nacional de Poesia (1966), o Prêmio Jabuti (1989 e 2002) e o Prêmio da Academia Brasileira de Letras (2000).

Leia abaixo o poema Inédito de Manoel de Barros:

Fôssemos merecidos de água, de chão, de rãs, de árvores, de brisas e de graças!
Nossas palavras não tinham lugar marcado. A gente andava atoamente em nossas origens.
Só as pedras sabiam o formato do silêncio. A gente não queria significar, mas só cantar.
A gente só queria demais era mudar as feições da natureza. Tipo assim: Hoje eu vi um lagarto lamber as pernas da manhã. Ou tipo assim: Nós vimos uma formiga frondosa ajoelhada na pedra.
Aliás, depois de grandes a gente viu que o cu de uma formiga é mais importante para a humanidade do que a Bomba Atômica.


 do Blog de Roberto Romano

Segunda-feira, 28 de maio de 2012




Edição nº 528

Pesquisa revela baixa representação de mulheres e negros no parlamento
Unicamp


Baixar versão em PDF Campinas, 28 de maio de 2012 a 10 de junho de 2012 – ANO 2012 – Nº 528

Pesquisa revela
baixa representação
de mulheres e negros
no parlamento

Investigação, cujo foco foram as eleições de 2006 e 2010,
incluiu entrevistas com 42 parlamentares de quatro Estados


O Brasil tem apenas de 13% de mulheres no parlamento, ocupando o final da fila na América Latina. O dado é divulgado pela Inter-Parlamentary Union (IPU), órgão que reúne todos os legislativos do mundo e que compila estatísticas sobre a presença de mulheres nestas casas. Por que as mulheres candidatas não conseguem se eleger na mesma proporção que os candidatos homens? Por que as mulheres se apresentam menos na política? Ou, quando se apresentam, o que acontece para que não tenham tanto sucesso? Por que os financiamentos de campanha são sempre menores para as mulheres?

São estas as principais questões colocadas por Rachel Meneguello e Bruno Speck, professores do Departamento de Ciência Política da Unicamp e pesquisadores do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop), no projeto de pesquisa “Mulheres e Negros na Política – Estudo exploratório sobre o desempenho eleitoral em quatro estados brasileiros”. Financiada pela Unifem, órgão das Nações Unidas para Empoderamento das Mulheres (agora ONU Mulher), a pesquisa incluiu entrevistas em profundidade com 42 parlamentares e membros de partidos do Pará, São Paulo, Santa Catarina e Bahia, com o objetivo de avaliar os constrangimentos e obstáculos que poderiam explicar a baixa representação de mulheres e negros no parlamento. O foco esteve nas eleições de 2006 e 2010 e em nove partidos: PT, PSB, PP, PMDB, PSDB, PSOL, PCdoB, PDT e DEM.

“Durante as entrevistas com as mulheres candidatas ou parlamentares, algumas dimensões relativas ao acesso à política ficam muito claras. Uma delas é a trajetória política. Boa parte delas tem uma trajetória muito convencional e tradicional na política brasileira, que é a relação de família: o marido, o pai, o avô e até o bisavô político. E, quando não existe esta tradição de família, vemos os casos de mulheres com uma militância importante nos movimentos sociais, como de mulheres, negros, estudantes e agricultores, e o ingresso em partidos de esquerda”, afirma Rachel Meneguello, que é diretora do Cesop.

Segundo a pesquisadora, a hipótese de que as mulheres teriam menos interesse pela política, está presente na própria fala de algumas entrevistadas, que culpam as demais pela baixa representatividade no parlamento. “Ainda existe este preconceito em relação a si mesmas. O que de fato acontece – e aí entra outra dimensão da nossa pesquisa – tem a ver com a presença do machismo. Sobretudo as casadas e com filhos, que têm atribuições domésticas, enfrentam grande dificuldade para dar conta de uma carreira política e do casamento. Dentre as entrevistadas, mais de 20% são separadas. Eleita, a mulher não se ocupa apenas de legislar, ela tem uma vida dentro do partido e precisa compatibilizar as atividades com sua vida privada.”

Rachel Meneguello ressalta que os partidos são estruturas consagradas como de domínio masculino, onde é difícil que mulheres se destaquem, mesmo em São Paulo, que apresenta outro grau de competição política e abertura para o ingresso de novos atores. “Como exemplo, Marta Suplicy, apesar da imagem pública de destaque como mulher de televisão, entrou na política com o apoio de Eduardo Suplicy – são relações que não acontecem somente no Nordeste, onde se supõe que concentra traços da política tradicional e familiar. Na vida parlamentar, o preconceito aparece contra as mulheres, principalmente as negras. Dezesseis entrevistadas que se declararam negras foram tratadas com diferença, primeiro como mulher, na pouca importância dada às suas opiniões, e também por meio de um racismo velado, difícil de medir.”

Outro aspecto observado na pesquisa, de acordo com a professora, é a visão essencialista da diferença que a mulher faz na política, em que as próprias entrevistadas se colocam como mais honestas e mais capazes para tratar determinadas questões. “Alguns dizem o tempo todo que Dilma Rousseff não tem liderança nem traquejo político e, quando ela coloca mulheres em cargos-chave, desperta preconceitos dos mais variados. Entretanto, todos os entrevistados chamam a atenção para a importância pelo menos simbólica da presença de uma mulher na Presidência. Não se tem a ilusão de que isso mudará a dinâmica da política nacional, mas vai se criando a percepção de que as mulheres podem ter acesso a outras instâncias, seja de trabalho, seja de representação política.”

Paridade estatutária

Rachel Meneguello informa que o PT é o primeiro partido a tomar seriamente a questão das mulheres e negros, incluindo mudanças fundamentais na reforma do seu estatuto, em fevereiro deste ano. “A primeira mudança é a paridade de homens e mulheres nos cargos de direção. Mais: o novo estatuto define um levantamento sobre raça e idade dos filiados e, havendo determinado número de negros, por exemplo, pelo menos 20% deles terão lugar em cada um dos órgãos de direção. Estes órgãos também terão ao menos 30% de jovens, o que implica renovação de quadros.”

Outra mudança no PT destacada pela diretora do Cesop, na mesma reforma estatutária, é a limitação de três mandatos para cada cargo, ou seja, se um candidato se eleger três vezes deputado estadual, terá que mudar de esfera no pleito seguinte. “Isso tem um impacto para as mulheres, pois se os quadros devem ser renovados estatutariamente, abre-se outra porta de ingresso para que elas, por exemplo, obtenham legendas. Esse impacto não virá na próxima eleição, mas merece ser observado nas futuras, porque pode começar a mudar a cultura masculina dentro das estruturas partidárias.”

A pesquisadora não identifica em outros partidos considerados progressistas a inclusão de medidas semelhantes em seus estatutos. “O PSB menciona bastante o estímulo à participação de mulheres e negros na política, mas apenas mencionar é muito pouco. Embora os partidos possuam secretarias da mulher e de combate ao racismo, não veem o tema como central, não existe uma diretriz política para isso. Mesmo PCdoB e PSOL, que estão mais à esquerda, defendem a prioridade de uma luta política mais ampla de transformação social – e as questões da mulher e do negro iriam de carona nesta luta mais ampla.”

Rachel Meneguello aponta, afinal, o que a pesquisa colheu de essencial. “Se fosse para resumir esta entrevista, duas grandes questões aparecem. Uma delas é que os constrangimentos fundamentais do acesso às mulheres e negros na política estão no domínio masculino desta dinâmica de representação. Do outro lado, temos uma grande reclamação em relação às estruturas partidárias, havendo a necessidade de mudanças, inclusive legais, que levem à participação efetiva de mulheres e negros na dinâmica interna dos partidos. O sucesso da politica de cotas, já implantada mas menos exitosa do que se esperava, parece depender mais de mudanças na organização interna dos partidos do que da reforma do sistema eleitoral”.



Dinheiro míngua para candidatas

O professor Bruno Speck, juntamente com a pesquisadora Teresa Sacchet, participou de um projeto anterior financiado pela Secretaria de Mulheres da Presidência da República, que envolveu mais de dez organizações, entre elas o Cesop. “Esta pesquisa é consequência e sequência da outra, que analisou o desempenho das mulheres nas eleições de 2010 focando aspectos como da propaganda política e do financiamento de suas campanhas. Nós do Cesop analisamos especificamente a questão do financiamento das candidatas, chegando ao resultado de que elas recebiam menos recursos e menos votos em relação aos homens. Esta pesquisa atual foi mais qualitativa, sobre as razões e o pano de fundo desta desvantagem, incluindo entrevistas com as mulheres e estendendo o trabalho aos negros.”

Um dado básico e sempre interessante, na opinião de Bruno Speck, é a proporção de mulheres eleitas entre as candidatas. Ele atenta para a similaridade dos gráficos para a Câmara dos Deputados e as Assembleias Legislativas após as eleições de 2010, que trazem na primeira barra a média da população feminina no Brasil (em torno de 50%). Na tabela de candidatos a deputado federal, a segunda barra mostra que a proporção de mulheres foi de 11,9% na Bahia, 18,6% no Pará, 25,2% em Santa Catarina e 18,8% em São Paulo. “Aqui, já vemos uma sub-representação das mulheres, decorrente do filtro partidário para obtenção das legendas”, observa.

Entretanto, na terceira barra, de candidatas eleitas, nota-se uma diminuição brusca para respectivos 2,6% (BA), 5,9% (PA), 6,3% (SC) e 8,6% (SP). “Se as mulheres candidatas tivessem a mesma chance de se eleger do que os homens, a segunda e a terceira barras deveriam ter igual tamanho. Mas não é assim, há uma nova queda. A questão é: por quais razões elas têm menor chance de se eleger?”.

O pesquisador não dispõe de informações que expliquem por que tão poucas mulheres se candidatam, principalmente havendo a Lei de Cotas, determinando que cada partido ou coligação destine pelo menos 30% das vagas a candidatas mulheres. “O dado mais citado no caso brasileiro é de 18% de mulheres entre os candidatos, ou seja, a maioria dos partidos e das circunscrições não cumpre a legislação. Um comentário recorrente nos movimentos feministas diz respeito à pouca penalização por este descumprimento nas eleições passadas.”

Naquela pesquisa em que analisou a questão do financiamento, ficou claro para Bruno Speck que as mulheres recebem menos recursos que os homens. Os gráficos mostrando a média de arrecadação por mulheres e homens, para deputado estadual e deputado federal, tornam clara a discrepância. “É um quadro que se repete nas outras eleições, com exceções como do Pará, onde o conjunto de candidatas arrecadou mais ou menos o mesmo valor dos homens – o que se reflete também no resultado eleitoral.”

Segundo o pesquisador do Cesop, um aspecto que não era objeto da pesquisa, mas bem conhecido em campanhas eleitorais, é a estreita relação entre arrecadação e voto: o candidato que se elege sempre consegue arrecadação bem maior do que os não eleitos. “Tomo o cuidado de não definir isso como uma causalidade, pois não sabemos se é a percepção do doador de que o candidato tem grande chance de se eleger que causa o financiamento, ou se o financiamento é que causa o resultado eleitoral, ou seja: se dinheiro rende voto ou se a expectativa de voto rende arrecadação. Entretanto, a correlação é estreitíssima e induz a pensar que o financiamento é corresponsável pelo baixo desempenho das mulheres.”

Candidata laranja

Bruno Speck considera a hipótese de que os financiadores realmente não acreditam que as mulheres têm chance de se eleger, visto que elas geralmente apresentam um histórico político-eleitoral bem mais curto. “Tipicamente, para se eleger a um cargo de alto nível como de deputado federal ou senador, é preciso uma longa história política. Portanto, a Lei de Cotas não vai resolver, hoje, a baixa presença das mulheres e melhorar seu desempenho. Antes da lei, havia menos candidatas, mas aquelas que conseguiram emplacar na lista partidária tiveram desempenho de igual a melhor que os homens. A partir do momento em que os partidos foram obrigados a inchar suas listas com mulheres, este desempenho caiu. E a chamada ‘candidata laranja’ virou fenômeno”.

A esse respeito, a professora Rachel Meneguello afirma que algumas entrevistadas colocam claramente que seu papel no partido é o de preenchimento de cotas. “E há o fato de que esta lei não prevê qualquer sanção, caso seja descumprida. Talvez venha a ter nas próximas eleições, com o Ministério Público acompanhando o preenchimento das listas e criando uma reprimenda ou outro tipo de medida.”

A diretora do Cesop recorda que as mulheres reclamam muito da distribuição interna dos recursos de campanha, havendo casos de candidatas que, mesmo casadas com companheiros de partido, não receberam sequer santinhos e cartazes. “Então, novamente, de onde poderia vir uma solução: com as mulheres estando presentes nas instâncias partidárias que distribuem recursos, garantindo pelo menos o acesso também para elas.”

Horário eleitoral

Bruno Speck ousa especular que a eleição municipal seja, talvez, o momento mais importante para incentivar mais mulheres a disputar cargos de vereança e de prefeito, depois a de deputado estadual e assim por diante. “É preciso pensar em como alimentar esta cadeia com mais incentivos às mulheres. Num sistema eleitoral de listas abertas como do Brasil, obrigar os partidos a incluir mulheres entre os candidatos tem impacto muito limitado, já que quem decide, no final das cotas, é o eleitor. Mais de 90% dos votos no país são depositados nos candidatos, e não em partidos. Mas, voltando à questão dos recursos, acho que o partido tem um papel importante em relação a um recurso indireto, que não é em dinheiro: o horário eleitoral gratuito.”

O cientista político lembra que a lei obriga o partido a dividir seu tempo no horário eleitoral equitativamente entre os vários cargos, não sendo permitindo beneficiar, por exemplo, mais o candidato a prefeito e menos os pretendentes ao legislativo. “O partido possui ampla margem de manobra e nem sempre usa esta margem de forma aberta entre os candidatos, promovendo alguns nomes em detrimento de outros. Se o partido adotar uma política de incentivo à participação feminina, vejo este funil do horário eleitoral como um veículo mais fácil de ser utilizado do que o financiamento. É complicado pedir ao empresário que financie mulheres.”



O círculo vicioso da estagnação

Indicadores internacionais compilados pelo Cesop mostram que a baixa presença de mulheres e negros na política não é um problema exclusivamente brasileiro, mas generalizado no mundo. Bruno Speck aponta os Estados Unidos como um dos exemplos negativos, com 17% de mulheres no Congresso e 22% nos parlamentos regionais. “A Alemanha tem 30% de deputadas no parlamento e, atualmente, só duas mulheres ocupando o governo de dois dos 16 estados; nos partidos de esquerda, o Partido Verde é o que traz 50% de mulheres em seus quadros.”

O pesquisador observa que esta baixa representação das mulheres se dá em diferentes patamares, dependendo do país. “A Alemanha do pós-guerra tinha 10 ou 12 mulheres no parlamento e agora avançou para 30%. No Brasil, há certa estagnação neste momento. Vínhamos tendo certo crescimento na participação, mas agora não vemos sinais de que se está avançando para os 50%, que seria a taxa normal, considerando a proporção de mulheres e de homens na população brasileira.”

Rachel Meneguello, por sua vez, busca parâmetros históricos para ressaltar que o voto feminino no Brasil foi aprovado em 1932 (o primeiro caso na América Latina) e, na Suíça, somente em 1972. “Como explicar isso? Há um terreno muito positivo de possibilidades de representação feminina, mas também uma estagnação que advém desta política tradicional. E, ainda em relação aos Estados Unidos, estudos mostram que, historicamente, os negros têm muito mais sucesso do que as mulheres na política.”

Por outro lado, a professora recorda que o Cesop organizou um seminário sobre o sistema eleitoral brasileiro e a mudança da lista aberta de candidatos para a fechada, apresentando dados de outros países onde estudos indicam que esta mudança beneficiou a participação das mulheres de alguma forma e que sua implantação vem sendo uma tendência. “Eu, particularmente, acho que a lista fechada ainda não é a melhor solução para o Brasil, não pela sua adoção em si, mas pelas estruturas partidárias ainda muito oligárquicas. Alguns partidos têm claramente seus caciques, enquanto outros contam com lideranças consagradas que detêm votos e cadeiras há muito tempo – tais lideranças, num primeiro momento, talvez não abram espaço para as mulheres.”

Rachel Meneguello também se mostra descrente quanto a outra mudança pretendida na reforma partidária, que é o financiamento público da campanha eleitoral. “Em quase todas as entrevistas da pesquisa, o financiamento público aparece como uma grande solução para o acesso de mulheres e negros à política. Isso me parece um mito. Destinar recursos do Estado ao partido pode funcionar como equilíbrio e controle de fundos em geral, mas se não houver controle sobre a distribuição dentro do partido, o círculo vicioso se repete.”



Componentes demográficos são levados em conta

No que se refere à metodologia utilizada para desenvolver o projeto “Mulheres e Negros na Política – Estudo exploratório sobre o desempenho eleitoral em quatro estados brasileiros”, Rachel Meneguello explica que, por se tratar de uma amostra no país, a questão foi tratada de maneira política e de maneira demográfica. “Buscamos dados do IBGE sobre populações de Estados para medir a representação política dos negros, no caso a Bahia, com 17% em 2010; e, como contraprova, Santa Catarina, com 3%. São Paulo, por sua vez, é o distrito eleitoral mais competitivo do país, onde todos os 29 partidos estavam representados (agora são 30). Por fim, o Pará, que até pouco tempo tinha Marisol Brito no Senado e Ana Júlia Carepa como governadora, buscando um universo menos próximo de nós do Sudeste e mais representativo da política tradicional brasileira.”

Elaborado um elenco de nomes a serem entrevistados, a professora conta que em boa parte das vezes foi bastante difícil contatá-los, ou por que não aceitavam passar por uma hora e meia de entrevista (que era qualitativa, em profundidade) ou por que a agenda não permitia. “No final das contas, conseguimos entrevistar 42 parlamentares, candidatos ou membros de partidos, sendo oito homens. Em termos de participação efetiva das mulheres nos cargos internos partidários, como por exemplo, nas comissões executivas, o PT possuía a maior percentagem, 20% (oito cargos); nos demais a participação ficou entre 8% e 10%, demonstrando a dificuldade de acesso das mulheres à própria dinâmica interna dos partidos”.

Os pesquisadores do Cesop também decidiram abordar o espectro partidário: direita, centro e esquerda. “Alguém dirá que é difícil fazer tal distinção no Brasil, mas não é tanto assim, há uma série de estudos acadêmicos cujo esforço é entender como os partidos se localizam neste espectro ideológico. Uma das hipóteses era de que estar à esquerda ou à direita também faria diferença na inserção de mulheres e negros na política. Por um lado, indica uma relação com movimentos sociais, o que não é privilégio brasileiro, faz parte de todas as democracias representativas. Partidos como PT, PCdoB e PSB têm intensa relação com os movimentos negros, bem como uma secretaria de mulheres em suas estruturas – o que não é por acaso, pois chega um momento em que a Lei de Cotas começa a ser absorvida.”

domingo, 27 de maio de 2012

Cambodja

Cambodja: exploração de crianças

Do blog de Joana Lopes, Entre as brumas da memória


Já escrevi, nem sei quantas vezes, como o Cambodja me impressionou e nunca mais me saiu da cabeça e das entranhas, desde que, in loco, tomei consciência do drama histórico deste país até quase ao fim do século passado e da pobreza em que ainda vive.

Hoje leio que, apesar da paz dos últimos tempos e dos dois milhões turistas que por lá passam por ano, as histórias escabrosas continuam.

Na esperança de que os filhos recebam uma educação de «estilo ocidental», muitos pais, muito pobres, entregam os filhos a orfanatos que viram a sua população mais do que duplicar na última década, apesar dos progressos da economia do país. 70% desses órfãos têm pelo menos um dos pais vivo.

Se muitos turistas, impressionados pelo que vêem, ficam no país para ajudarem como voluntários nesses orfanatos e em escolas, descobre-se agora que algumas das organizações que enquadram esses voluntários e planificam o seu trabalho exploram as próprias crianças. A maldade humana parece não ter limites.

Tudo explicado aqui: notícia e vídeo.

Humor negro da madame

Do Blog de Joana Lopes, Portugal

A compaixão de Madame Lagarde



Uma entrevista a Christine Lagarde, ontem publicada em The Guardian, está a correr mundo.

Quando a jornalista lhe pergunta se, ao analisar as contas da Grécia, só pensa em números ou também se lembra das mulheres gregas sem assistência quando dão à luz, dos doentes sem medicamentos e dos velhos que morrem sozinhos sem direito a cuidados, responde:

«Penso mais nas criancinhas de uma escola numa pequena aldeia da Nigéria, que têm duas horas por dia de aula, com uma cadeira para três crianças e que, mesmo assim, conseguem estudar. Penso nelas permanentemente e acho que precisam de mais ajuda do que as pessoas em Atenas.»

Se estamos em maré de humor negro, vamos a isso: na tal aldeia da Nigéria não existirão prédios mas só palhotas, e não haverá portanto o perigo de um homem de 60 anos, desesperado, se atirar de uma janela de mão dada com a mãe, de 90, como aconteceu na Grécia. Se também querem defenestrar-se, construam arranha-céus, seus idiotas!

Há sangue...

do Solda

Foto de Furnaius Rufus
Há sangue frio na geladeira, silva-se. Enquanto organizo, prenso: histórias de cavalheiros e damas, etiópias e lamas, cronópios, corrupios e famas. É o kaos. Dizem as más línguas. Pois é, poesia, pois é: petit pois, já maneirando fulano e sicrano de bergerac. A idade dá razão à trinta anos de mim mesmo. Salvaboiam haroldos, augustus & decius pelas ribanceiras entrepostas. Espremelham resquícios de angelis, ave, cézar! Os que vão morrer vão te cobrir de porrada antes que o sol despinguele atrás do açudeziano velhasério. Missas cheias de moças velhoiras bundudas, tesões estremecidos no gargarejo da água morna. Apedeutas empalhados açoitam personagens pendurados no altar do seu egocego barbicacho, münchenfests aleluias, tende piedade de marcelino, pão e vinho, hasta la vista! Jurisfósseis repimbocam en la parafuseta del paraplégico, impressionados com a justalógica estremunção que o vigário geral aplica na cabeçonda de hipócritas, já sem pelo nenhum, careca de corpo inteiroliço! Hipócrita não peida, flatos contidos, odores embucetandos, insepulto! Insepulto! O cadavérico se esconde entre as pelancas recheadas de banha da progenitora secular, fétida, exposta em pedaços nas ruas quinzes do mundo inteiro, vírgulaprudentis, és tu, chatus de galochas?
De repente uma explosão de furúnculos baragoléticos! Especimezinha que brotoeja esotérica na alinhavada esfinge halitosa de sacco & vanzetti, última dor do inácio, aquele magrela, hipócritas entregam pizzas na academia curitibana de letraset, comedor de quejandos entocado na cavernosa idiotice, cantando mantra: só lamente uma vez, bigodites, cavanhaquices sisudas misturam ditados de poetas philósophos pelados descendo o nhundiaquara de bóia fria, à margem esquerda de quem sai e espera o barreado frígido locopaca, embutido no insepulto que já fede. Urubus vomitam. Ninguém é prefeito.
O protofônico que tem medo de virginia wolff não quer esperar a perícia montada; de como ser vaiado pela gargantula da républica curitibana: essa é mais uma tarifa para o supra hipócrita, amoscanhento regrudado no teto do aeroaperto do alfa rábius oculto entre teias de homens aranha; o parecer do banco central detona relatórios hediondos e condena reles vocês sabem quem a ler catataus e livros dos contrários por toda eternidade, para afugentar os corvos monossilábicos, parte do guruato lhe atira pedras, pratos de sopapos embotam o cérebro fétido: já não cogita, ergo, o caralhaquatro!
A mão que afaga é a mesma que desenha. Calungas desbotados se amontoam de maneira cruel em minha mesa.
Habeas corpus moles, nesse espaço de tempo, hipócrita mostra a bunda reluzente de necrófilo estapafúrdio, fanzines de carteirinhas abrem as bocálidas e respiram mau hálito resplandescente, barata com caspa, assim excitou o daltônico trevisélico emparelhado com o vampiro de curitiba na subida de sísifo, comendo o fígaro de prometeu acorrentado, tratando os algozes com respeitinho de adolescente, intumescido. Vade retro, hipócrita, quem te viu na mtv? Toda família curitibana tem um louquinho trancado no porão, macaqueando hipérboles antagônicas sobre eras trevisânicas, moléculas que andam de biciclétula. O protomedicato decidiu fechar as boticas, evitando tumulto barbalho defronte ao paulanque da marechal
Começam a chegar los libros, milhares deles, exército trivial, hoje é quinta-feira da semana passada, nada de novo, nada, nada, nada e de novo, sentenciou leminscoso, não dá em nada! Múmia leprosa habitando uma tumba em forma de atabaque (cadê os ovos que a galinha pôs?), o tear de chardin envigota marapendi; crustáceos bucéfalos procrastinam ao pôr-do-sol, morro de são paulo: vivo de curitiba; espantalhoso itarareense fincado no primeiro planalto, quilate mas não morde, me entupi guarani, sou fadado ao fracasso. Milhares de mulheres incendeiam sutiãs em protesto contra os peitinhos intumescidos das martasrochas. Um faulo prancis desmorona e desaba sobre o palestrante proibido. Uma procissão de lúgubre aspecto passa levando hipócritas à frente, estandartétrico, ensinando como se vaia curityba, num instante interveniente o povo mirrado desaquece e segue a ortografia, a parte da gramática que ensina a escrever corretamente as palavras.
Hipócrita tem horror à luz, heliofóbico; nas trevas elabora sonetos para encantar meninos em idade escolar. Poeta em compota. Repito: hoje é um dia quinhentista, segunda-feira da semana que vem e o calendárioscopista é severo, não dá pra fugir do açoite. A chibata é certa. Envoleios paracélticos cunturcinam militares aos borbotões, ao futebol de botões, cáspite moçambosa! Lero lero, bangue bangue, três tiros ecoam na madrugaridante vaginosa! Alguém fede ao sol do meio-dia, moscas oleaginosas envergalham sacripantas nos poemas empenduricalhados nas conas escandalosas.
Evoé, bakun, pinceladas murchas, almodóvar subitantis, resquícios celebritosos aviltam juízes e bandeirinhas, escanteio rápido e certeiro e o gol é eminente. Um a um. Um por todos e todos por um porungo. Retrocesso. Ridendo castigat mores!
Retrato de doris day, escola de moliéres. Um, dois, ivo viu a uva virar conhaque; à pata nada? A punheta bate à porta, em frenesi. Tudo é piquenique no front, pois um dia chegou a haver nada por lá; calaboteco, o elo e o frio da traição. Arrancam os órgãos reprodutivos de “poetinhas” e jogam sal grosso, siririca trabuzana e molibidato de chumbo grosso. Na barreinha, todos os polacos provam do saboro nossuco; em rápidas pincelas: não devia ser legal ser negão em 1808: a coisa começava a ficar preta.
O bar dos bardos não fecha pra são bernardo, assim pintou moçambique: simonais ejaculam gotas périplas sobre o corpo inerte, isso, isso, espermalandros procuram a vã gina espremida na bochecha de perdigotus antiofídicus. Hipocretes aos borbotões tentam prestar a última homenagem ao guru, exposto ao sol, caralhaquático, encardelúmedo, pulterívico, gota d’água em mar morto, o licor de rosa foi às favas, fasterpúnculo. No lintrópico da serra da tiririca lameríndica o assombroso bate nas moscatéias seculares, isso: tarétsias explica depois. O compromisso é um contraponto, as portas, a perseguição, bombas de reis barbudos. O rato rói unhas.
Acidente em jantares: três mortos e quatro feridos, saldo dos reflexos do braille. Ser mãe é o pai descer ao paraíso. O apanhador no campo de centeio e outras poeazias poéticas, entre poemas sujos e cantatas castas, bulas fazem bulosas fantásticas entre libros de manueles y retratos de artistas quando jovens. Mas não se mata cavalo, madame bovary? Cravo coluna dois e sete dias desmaio. Um sonho americano atinge-lhe a testa, é o despertar do monstro, o renascer do capitão amérika. O tio do canalha mora na esquina, sem anos de soletrão. Na cadeira, o velho e o mar de parkinson. Tadelépidos e antisacrifócidos, trocafilhos de uma putza, xexênicos de uma merdosa enfileirando venezuelanos empipados mastofintosamente carabélicos. Quem há de paralelepipeidar? Moças bonitas são as mocinhas da cidade.
Hipócrita não peida. Murcha, desmancha na sala.
A máquina de lavar pororocou no meio da redícula transilvânica. Rebolética e cincinatefélica, cataputa! Jamesbonditosa água torneiral, os livros que aqui livreiam bóiam supimpas, haja estante para esse maestro. Poluicéia desvairada, zorba, a cueca do grego amarela no varal. Ira, não sabes de onde vens? Numa meia-noite, quando eu lia, lento e triste, vagos, curiosos tomos de ciências astrais encontrei tartufo entre o diabo e o bom deus, vassalo de cinco asas. Ele se chama um lices e está até o gogol de dublin. Vai sair quando a neblina baixar o pau na irlanda e macunaíma sair da toca com os olhos do cão azul. O cadáver parece respirar, só parece. Um atrabalho no trapalho, transmimento de pensação, sandela de mortanduíche, leminsquisitices orwellianas. Joicíades de lennon são sandices urbanas, a máquina de escrever respira fundo e insinua enormes parágrafos desvirgulados. Isso assusta insepultos e toda a sua trupe! Necas de pitibiriba! Trancetê! Cada magalho no seu caco: as bananas despencam é o verão, a curutié fugiu da gaiola, o lábaro que ostentas estrelado implodiu.
Um nicho recheado de ninfomaníacas ensaia canto gregoriano na sala dos fundos, timbórdice de mileto ocupa a maior parte do livro caixa de fósforos de helio leites. Ulisses cambaleia entre parágrafos incompreendidos, sobre adjetivos perdidos nas areias escaldantes.
Filósofos helênicos abotoaram o paletó injustamente: libório arrancou as teclas da máquina de escrever para machucar os dedos enquanto datilografa. Eles sangram pra lá e pra cá, sujando a mesa de um vermelho vivo. Chicletes grudam na massa cinzenta já aprodecida de insepultos, agora de bruços, senho fechado. Campos de carvalhos me acenam da estante. Ilíadas e mais ilíadas, lidas, relidas, esmiuçadas por algum selvagem de motocicleta.
O homem do mato de mãos dadas com a mística feminina. É proibido. Chegou godot, três dias atrasado, esteve viajando, diz, no país das maravilhas. Lá se come bem. Os certões estavam errados, a revolução no fruturo começa semana que vem, com o teatro do comprimido e outras rimas poéticas. Mas à essa altura do campeonato, quem tem medo da megera domada? Ter certeza da dentista cansada de guerra e paz, elementar, meu caro watson! A avó está no mundo há oitenta anos e ainda não viu a luz no fim do tonel; um certo cafetão rodrigo quer beber sete: é oito e meio, além do imposto. Enterrem meu coração no encouraçado na curva do calombo, junto com os cada vez mais estupefactos que ainda bebem leite de onça. Tragélida cosmopolenta, fadiga na perna esquerda, carne da minha carne, sangue do meu sangue, mesoparina de antanho, esquálida borboletra zanzando sobre as flores de maracujá, agora mesmo, neste instante.
Hipócrita fede. E tem hipócrita que cheira, mas só na casa dos outros.
Oposição frontal: não há duelo solitário, ninguém assassina a própria sombra sem motivo; ser explícito no acesso à leiteratura, literatejar em abundância sem ser versado em literatura nem em letras, dig it? Arrebentar a proveta, provecto. Veja o diário da tia. Vejam só, fins negam os sheiks sem fundos. É a guerra com o jogral, deixa o alfredo falar. Só o vento sabe a resposta. Esquadrão do norte, espumando pelo canto da boca, a cólera do cão; livro vermelho dos millôres, erros de sifilização. Caiu o pano! Essas coisas insaciáveis, o tempo e o vento, lá vou, gulliver! Divina comédia, fizeste aval de três freiras que assombram o país. A cinza das noras, morte e vida sem verina; feliz ano novo, tia zulmira. Carona do pai thomaz: é do tipo do rei. Cavalinhos de platiplanto. Os dentes ao sol. Rei posto, ele está pelado, com a navalha na carne. Mas traga. Catatchau.
Pior que o hipócrita, só a mulher do hipócrita, sem pai nem mãe. Mas com o hipócrita, de braços dados. Esse casamento não vai longe: no máximo, até o banheiro, pra vomitar. O corpo se decompõe; o baluarte inexiste, finalmente. Ninguém reclama do cheiro desagradável. Lanfônesas costifúnculas esmerilham cabelécidos em plena bouca malditante, esforétidos maraquintinius! A bebedeira, a ebriedade, êxtase, enlevação, a embriaguez! Fiat lux! Circulam informações de cocheira sobre a nossa ração cultural diária. O balaustre é atingido, quase no fim da feira. Daqui ouço os milagres no palacete do tico tico: es muy bueno! Corruíras helioleitosas abrem o mar paraguayo.
Enquanto agonizo, pinto. Em rápidas pinceladas, porque o gambá do ano passado invade a minha sala, o exército inimigo bate à minha porta: correndo, perco as sandálias mas não perco o trocadilho. Atiro primeiro: se a vítima não rir, gastei bala zequinha em poeta de compota.

Os gatos...

Poesia de Patrícia Highsmith, do livro Os gatos, um especial presente que ganhei ontem


Tudo no mundo
Foi feito para eu brincar:
Gafanhotos, pés de cadeiras, petit-pois,
Sombras, bolas de poeira  meu próprio rabo.
Há tantos cantinhos, portas entreabertas,
E forros para eu olhar,
Tantos lugares para ir, que fico doido
De não poder estar em todos eles ao mesmo tempo.
E então me canso.

Roberto Romano: Artigo que merece atenta leitura. Embora dele discorde em vários pontos, o considero indispensável para pensar o Brasil, a soberania popular, a democracia. Vale a pena a leitura e a reflexão!



Índice geral São Paulo, domingo, 27 de maio de 2012Ilustrissima
Ilustrissima
ensaio
Voto secreto
Nossa dívida intelectual com a democracia
RESUMO
JORGE CALDEIRA

Ignorada pela intelectualidade, a tradição de eleições para o poder local remonta à fundação das primeiras vilas brasileiras e perdurou ao longo dos séculos. Do século 16 ao 20, uma prática eleitoral efetiva permite repensar a concepção brasileira de soberania popular e reivindicar uma longa tradição democrática.
TERÇA-FEIRA, 22 de agosto de 1532. Pero Lopes de Sousa, comandante de uma nau da frota chefiada por seu irmão, Martim Afonso de Sousa, anota em seu diário: "A todos nos pareceu boa esta terra, que o capitão determinou povoar; e fez uma vila na ilha de São Vicente e repartiu gente e fez nela oficiais. Pôs tudo em boa obra de justiça, de que a gente toda tomou muita consolação com terem leis, viverem em comunicação das artes, serem cada um senhor do seu, vestirem as injúrias particulares e terem uma vida agradável".
Esse é o registro da inauguração do governo legal no território do atual Brasil, narrado a partir dos atos de um único sujeito, o capitão. Tudo aparece como emanação de seus poderes: povoar a terra, fazer vilas, repartir gentes, trazer arte e civilização, vida agradável e nomear oficiais.
Esse era o modo de pensar da Idade Média, quando se via o poder legítimo como reservado a um soberano ungido pela divindade -do qual o capitão era representante direto. Mas a escolha das autoridades que comandariam a vila não emanou da vontade do capitão: veio da eleição, pela população, para a Câmara. O capitão só reconheceu o resultado e deu posse aos eleitos.
Nos termos da ciência política, na fundação do governo da vila havia duas soberanias em ação. Pero Lopes de Sousa descreve apenas a soberania de um rei divino, enquanto exclui a dos eleitores de São Vicente.
Por isso descreveu um palco onde o iluminado capitão fazia um monólogo de governo -e pôs a plateia de eleitores no escuro, fora da cena. Fica então a pergunta: será que esse modo de pensar, em que soberania popular e democracia são secundários por definição, desapareceu com o poder divino dos reis?
SÃO VICENTE A prática efetiva da eleição de autoridades, da democracia, começou naquele dia de 1532. A partir do pleito eclipsado pelo narrador, os tais oficiais, os primeiros eleitos, tomaram posse.
A vila era um local tão ermo que ninguém de "maior qualidade" aparecia. Passaram-se 21 anos até a chegada de outra autoridade real, o governador Tomé de Souza, em 1553. Em 1º de junho, escreveu dali uma carta ao rei d. João 3º:
"Ordenei outra vila no começo do mesmo campo de Santo André, e fiz dela capitão João Ramalho, que Martim Afonso achou nessa terra quando cá veio.
"Tem tantos filhos e netos e tantos descendentes que não ouso dizer a Vossa Alteza".
O pensamento do governador seguia com exatidão o molde de Pero Lopes: fala de si como representante do rei que manda, ignora os homens que governam a si mesmos. Por isso passa ao largo de um conjunto de fatos: nos 21 primeiros anos da vida de São Vicente sob a forma de vila portuguesa, os náufragos fizeram eleições regulares, os eleitos tomaram posse, deixaram o governo ao final do mandato de um ano e transferiram o poder aos sucessores.
"Governar", para esses vereadores, significava exercer ao mesmo tempo três poderes: escrever as leis, como os atuais membros do legislativo; comandar sua aplicação, como no atual Executivo; e chefiar a aplicação da justiça, nomeando juízes. Por 21 anos, os vereadores foram a única autoridade legal e soberana em São Vicente.
ATAS Gente mais rude ainda se tornou a única autoridade de Santo André, vila separada de São Vicente por Tomé de Sousa, depois de 1553. Suas atas da Câmara, ao contrário daquelas de São Vicente, perdidas num incêndio, foram publicadas. A leitura revela como funcionou uma democracia ao modo do tempo, narrada pelos autores.
As atas trazem registros regulares. Como em São Vicente, as eleições acontecem na época aprazada, vereadores exercem poderes por um ano e entregam o cargo aos sucessores. E nenhum representante do poder divino do rei apareceu ali por décadas. Ainda bem.
João Ramalho, o maior líder civil da vila, vivia pelos matos de aldeia em aldeia, andava nu com suas 30 mulheres índias, comandava alianças e exércitos em guerra.
Volta e meia elegia-se vereador, mostrando-se cordato no cumprimento dos mandatos, como se constata nas atas da Câmara de Santo André -ou de sua continuação, pois, em abril de 1560, a vila passou a se chamar São Paulo.
A implementação rápida e regular de governos eleitos nessas vilas isoladas não parece ter sido fruto de pregação de letrados clarividentes, nem de emissários de um rei divino que "ordenavam vilas" ou "faziam oficiais". Era uma instituição política de escolha daquele bando rude.
A opção pela autoridade eleita foi geral. Onde quer que, no Brasil colonial, tenha se instalado uma vila, o mecanismo da eleição funcionou feito um relógio -com ou sem autoridade régia presente.
A partir de 1541, eleições passaram a se suceder em Olinda, onde vivia um donatário com plenos poderes de governo dados pelo rei, e ele conviveu com a Câmara. A partir de 1549, eleições aconteceram em Salvador, onde passou a viver o governador-geral, representante direto do rei na colônia.
E assim foi. Mesmo na presença de potentados militares (do tipo João Ramalho), econômicos (como Salvador de Sá, no Rio do século 17) ou representantes do rei nas capitais, não há notícia de um único caso grave de ditadura local, de usurpação continuada dos poderes reservados aos camaristas.
De São Pedro do Rio Grande a São Paulo de Olivença, de Porto Seguro a Cáceres, nada era tão certo, em qualquer vila, quanto a existência de um governo local composto por moradores eleitos.
VIDA As condições de vida, ao longo dos três séculos da era colonial, foram mais ou menos as mesmas de São Vicente, exceto eventualmente o estado da riqueza: povoações mestiças, com raríssimos alfabetizados, vivendo isolados e longe da autoridade central.
Cabe perguntar: os governantes locais mandavam? Comparados aos vereadores das vilas de Portugal, mandavam muito mais.
No Reino, apesar de as vilas elegerem representantes, os poderes dos eleitos eram severamente limitados, não só pelo rei, mas pelos direitos hereditários dos nobres, dos senhores de terra, do clero. Pouco sobrava para os vereadores.
Já na maioria das vilas brasileiras, os poderes que se contrapunham aos mandatários eleitos eram bem menos presentes. Apenas governadores-gerais e capitães-mores se sobrepunham aos vereadores. Seu poder de interferência só era constante na vila onde estavam -e intermitente onde podiam mandar representantes.
Por isso, no Brasil colonial, quanto mais distante do governo central, maiores eram os poderes dos vereadores. Em tempos de isolamento, a Câmara de São Paulo chegou a decretar o valor da moeda, poder reservado ao monarca.
Mais do que isso, o decreto foi obedecido. Ao longo da última década do século 17, trocava-se dinheiro no valor decretado pelos representantes, ignorando o ditado pelo monarca. A mesma Câmara declarou guerra, assinou tratados internacionais de comércio, expulsou jesuítas - e foi obedecida.
Claro, havia outro lado. Governadores-gerais ou capitães muitas vezes passaram por cima de Câmaras e eleições. Nem mesmo os vereadores eram o que hoje se qualificaria de democratas: escravocratas, cometiam injustiças, empregavam o poder em benefício próprio. Só alguns homens votavam. Mas a democracia existente, para a realidade da Idade Média, era bem mais efetiva que os feudos e senhores europeus do tempo.
(Primeira nota: aqui, você, leitor, poderá sentir um descompasso entre minhas afirmações e suas noções de história do Brasil e terá o direito de clamar por citações. Não irá encontrá-las na maioria dos livros. Mas é exatamente dessa ausência de citações que estamos tratando.)
Será que a existência empírica de milhões de votos e milhares de mandatos cumpridos é grande a ponto de levar você, leitor de hoje, a acreditar que havia democracia no Brasil colonial?
VALORES A resposta pode não estar nos fatos, mas nos valores com que os julgamos. Já vimos como se opera a negação da democracia como valor: o conjunto de fatos democráticos não tinha significado na visão de Pero Lopes de Sousa. Assim, não só milhares, mas milhões de votos e mandatos podem ficar de fora da história.
Imagina-se que esse modo de pensar medieval houvesse desaparecido. No século 18, a instituição da soberania popular, antes marginal, ganharia novo lugar na teoria política. O Iluminismo desenvolveu a ideia de que a soberania legítima estava apenas no povo e que o governo deveria ser exercido em seu nome, por representantes eleitos. A soberania popular passou a ser central. Inversamente, a ideia do poder divino passou a ser combatida como irracional.
Quando começou aquilo que, na esteira de revoluções nacionais, Marx chamaria de democracia burguesa, e seus cultores de democracia liberal, havia já quase três séculos de eleições regulares no Brasil -o que basta para impedir a confusão entre a vasta e geral prática de democracia nesse espaço com tal conjunto de ideias e, mais ainda, com o termo "liberalismo", surgido no século 19.
NOVAS INSTÂNCIAS O Brasil independente somou duas novas instâncias eleitorais aos antigos pleitos nas vilas. Cada província passou a ter uma Assembleia eleita, com orçamentos próprios e poderes regionais. No âmbito nacional, foi criado um poder Legislativo -e deputados e senadores também passaram a ser eleitos.
De 1826 em diante, o parlamento funcionou no Brasil quase com a mesma regularidade das Câmaras nas vilas. A atual legislatura no Congresso é a 54ª -e 52 delas completaram o mandato.
O Parlamento brasileiro funciona regularmente como autoridade com o monopólio de legislar há mais tempo do que o francês (o qual só conquistou com firmeza esse poder a partir de 1875). Entre os grandes países do Ocidente, só Inglaterra e EUA elegem legisladores com tais poderes há mais tempo que o Brasil. E Portugal não se notabilizou por essa tradição.
BRASIL IMPERIAL Apesar de todos os fatos, votos e mandatos somados, ainda havia quem duvidasse da existência de democracia -agora a democracia liberal ou burguesa- no Brasil. Como a tábua de comparação mudou no século 19 (havia agora democracia burguesa em vários países no Ocidente), novos argumentos surgiram contra a ideia da democracia brasileira como valor. Um deles tinha uma base importante: a implantação de um governo com soberania oriunda apenas do povo -e a eliminação do monarca com poderes divinos- ficou pela metade no Brasil imperial.
A soberania popular não era a única fonte de poder nacional legítimo determinada na Constituição de 1824. Era apenas a fonte do poder de deputados e senadores. O imperador era soberano por outra fonte de poder, a mesma dos reis medievais: o direito divino.
O imperador aparecia na lei como detentor privativo de um quarto poder, o Moderador, situado acima dos demais, reservando ao monarca a chefia do Executivo e do Judiciário. Assim, o Império foi o período de convívio de um Legislativo de soberania popular com um Imperador medieval intocável.
De início, houve conflito entre o poder arbitrário e pessoal com aquele derivado da soberania popular. O primeiro se destacou até a abdicação de Pedro 1º, em 1831; o segundo, na Regência, que durou até 1840. D. Pedro 2º soube reservar o exercício do Executivo para deputados e senadores, e assim transformou em convívio o conflito explícito de soberanias, num parlamentarismo que a lei não previa.
O gabinete tinha de conseguir maioria no Parlamento. Quando perdia, um novo ministério era apresentado, o parlamento, dissolvido, e eleições, convocadas. O Poder Moderador ajudava: os novos ministros eram nomeados provisoriamente pelo imperador, promoviam a derrubada -isto é, trocavam os funcionários de confiança. O uso da máquina garantia vitórias eleitorais.
Deu certo até 1868, quando o imperador demitiu um ministério liberal com maioria no Parlamento.
Criticando a medida, o senador Nabuco de Araújo disse uma frase que ficou famosa como "Sorites de Nabuco": "O Poder Moderador pode chamar quem quiser para organizar o ministério; essa pessoa faz a eleição, porque há de fazê-la; essa eleição faz a maioria. Eis o sistema representativo de nosso país. Não é isso uma farsa, o verdadeiro absolutismo?".
Assim pensavam alguns liberais que abandonaram o partido e fundaram o Partido Republicano, cujo programa tinha como ponto máximo a abolição do Poder Moderador. Foi eleitoralmente marginal até junho de 1889, quando o imperador demitiu o segundo ministério com maioria no Parlamento - agora o dos conservadores, liderados por João Alfredo, que tinha feito a Abolição.
Era a vez de os conservadores, que sempre defenderam interpretações favoráveis ao emprego arbitrário do Poder Moderador, refletirem -nem sempre com a elegância de um Nabuco. No dia em que o novo chefe do ministério se apresentou ao Parlamento, um deputado conservador, o padre João Manuel, gritou no plenário em alto e bom som: "Viva a República!".
O grito pareceu tão sem sentido como todos os outros. O novo ministério caprichou na derrubada e venceu as eleições. Manteve a regra: o Poder Moderador jamais perdeu uma eleição -jamais a vontade popular se impôs à do Imperador.
O poder do engajamento do Estado ao lado de um partido era muito maior do que todos os outros truques da época para sabotar a soberania do povo. Não que inexistissem esses outros mecanismos.
Toda a pletora de meios para falsear a vontade do eleitor -exclusão de pobres e mulheres, de analfabetos (introduzida no Brasil em 1879), pressão de autoridades, voto aberto, pancadas, juízes eleitorais parciais, uso de dinheiro- existiu. Mas ela também pode ser encontrada, na mesma época, em qualquer democracia do Ocidente, com poucas diferenças no grau de aplicação.
(Segunda nota: há bibliotecas inteiras sobre os mecanismos para limitar a soberania popular no Império e na República, mas são quase inexistentes os trabalhos que os comparam com similares estrangeiros, como se eleições dirigidas fossem apenas obra de coronéis locais. Para uma visão ponderada, vale a pena fazer história comparada nesta modalidade.)
Em resumo, a soberania popular foi ampliada no Império. Autoridades provinciais e legisladores passaram a ser eleitos. Mesmo com uma Constituição muito restritiva, esses eleitos exerceram poderes bem maiores que os reservados no papel. Inversamente, o emprego do Poder Moderador nos registros mais arbitrários levou às crises do Primeiro Reinado e à queda do Segundo.
Havia democracia no Brasil imperial? Num momento em que a democracia já era um valor universal, intelectuais que julgavam os fatos da política precisavam se esforçar para justificar uma resposta negativa para o caso brasileiro. Os que negavam o valor apelavam para o poder do imperador e deixavam de lado o Parlamento ativo.
A soberania discricionária, ao modo medieval, caiu com o Império, derrubado ainda em 1889. A República acabou de vez com a coexistência legal de duas soberanias e impôs a regra burguesa que se tornava universal: "Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido".
O sistema de governo no Brasil estruturou-se juridicamente como democracia liberal ou burguesa, com o poder legítimo partindo da soberania popular. Aumentaram as instâncias eleitorais, com voto para governador, prefeito e presidente da República. Mas os argumentos contra a democracia como valor não morreram com a extinção do Poder Moderador. Um novo tipo passou a ser empregado: uma coisa é a forma, outra, o conteúdo. O povo soberano na letra da lei pode não ser o povo soberano de fato.
Esse argumento ganha força quando se conta a história da República como a da resistência, no Executivo, à submissão de seu ocupante máximo à vontade do povo soberano. O hábito fazia presidentes agirem como monarcas dotados de poder superior ao vulgo, forçando o resultado das eleições a partir das nomeações de cargos públicos -com apoio de um Judiciário pouco independente.
Dessa fonte provieram as permanentes tentativas de pressão, os gestos para afirmar o resultado eleitoral como consequência da força do governo dotado de vontade eleitoral própria. O Executivo central, não o coronel local, foi o centro desse reacionarismo no período republicano.
Houve ainda coisa pior: a ditadura de Getúlio Vargas no período do Estado Novo (1937-45) foi o ponto mais baixo da democracia em toda a história brasileira-nunca, nem mesmo na colônia, tinha havido tempo sem governantes eleitos. Os militares pós-64 não chegaram a tanto: mantiveram o Parlamento aberto quase o tempo todo, além de eleições locais. E mantiveram uma relação, ainda que inteiramente formal, com a ideia de soberania popular. Não deixa de ser curiosa a submissão dos generais ao hábito do mandato limitado, dado "pelo povo", e à alternância no poder.
Mas para negar a democracia como valor na República é preciso também negar que a maioria dos presidentes foram eleitos -e as eleições melhoraram no correr do tempo. A coalizão democrática montada em torno da campanha por eleições diretas, em 1984, fez mais que remover um governo autoritário. Na eleição de Tancredo Neves havia embutida a promessa de um novo teor de soberania popular.
Mas foi em 1992, no impedimento de Fernando Collor, a primeira derrota de um presidente da República diretamente para o povo soberano, que esse teor se mostrou. Desde então, a tentação da arbitrariedade permanece contida. Os chefes do Executivo têm poder derivado da vontade dos eleitores e respeitam essa regra de ouro.
Esse momento estável permite pensar de outro modo as estruturas regulares das instituições brasileiras. O que sugiro aqui é que o voto e a democracia no Brasil talvez tenham base de valor maior que aquela usualmente avaliada por seus intelectuais. Há 480 anos de eleição regular das autoridades locais. Esse é um fato histórico geral, regular, constante. No nível local, quase nunca houve autoridade que não fosse eleita.
É difícil atribuir esse comportamento geral à ação da autoridade central ou de uma elite letrada. Ele nasceu nos tempos coloniais, antes da democracia burguesa, de baixo para cima, contra os representantes do poder real -e também contra o desprezo de muitos narradores. Votar foi um valor da sociedade mestiça, não dos letrados que tratavam seus membros como pessoas insignificantes.
Pensando no Brasil Nação, temos 188 anos de eleições de parlamentares e 174 anos de funcionamento regular do Congresso Nacional. Parlamentares cumprem mandato numa tradição raríssima nas democracias ocidentais. Nos 122 anos de República, a maioria dos comandantes do Executivo, nos Estados e na federação, foi eleita e entregou o cargo ao fim do mandato. A prática da democracia está impregnada na sociedade.
Voltamos à pergunta central, relacionada a valores: existe democracia na história do Brasil?
Um bom número de intelectuais afirma que não; não veem os fatos democráticos aqui descritos como valor democrático.
Incluo a mim mesmo entre os incapazes de escapar desse modo medieval. O conjunto de fatos que reuni talvez não convença muitos. A pergunta pode ganhar outra forma: a falta de democracia na história seria um problema dos fatos da história ou da miopia de intérpretes que elogiam capitães e escondem eleições?
Hoje, temos conservadores "de primeiro mundo" imaginando viver ao lado de um "povo do terceiro mundo". E revolucionários socialistas muito capazes de prosápia científica para justificar a pretensão de dirigir as "massas populares sem consciência" ao modo dos reis medievais.
Talvez nós, intelectuais brasileiros, realmente não estejamos tão preparados para explicar a democracia como o povo está preparado para votar.

Na colônia, quanto mais distante do governo central, maior era o poder dos vereadores. A Câmara de São Paulo chegou a decretar o valor da moeda, poder reservado ao monarca
Será que a existência empírica de milhões de votos e milhares de mandatos cumpridos é grande a ponto de levar você, leitor, a acreditar que havia democracia no Brasil colonial?
O Parlamento brasileiro funciona como autoridade com o monopólio de legislar há mais tempo do que o francês (o qual só conquistou esse poder a partir de 1875)
O Estado Novo (1937-45) foi o ponto mais baixo da democracia em toda a história brasileira-nunca, nem mesmo na colônia, tinha havido tempo sem governantes eleitos
Há 480 anos de eleição regular das autoridades locais. Esse é um fato histórico geral, regular, constante. No nível local, quase nunca houve autoridade que não fosse eleita