Do Blog de Roberto Romano
Jornal da Unicamp
Campinas, 07 de maio de 2012 a 13 de maio de 2012 – ANO 2012 –
Nº 525
A geração perdida
Homicídios e trânsito são os maiores responsáveis por morte de
jovens entre 15 e 24 anos no país
- Texto:
- Fotos:
Augusto de Paiva/Imagem
extraída do livro “Fotografia e Cidadania”
- Edição
de Imagens:
Uma das indagações de Aidar era como a população estava morrendo
e de que maneira as mudanças sociais e demográficas impactavam no perfil da
mortalidade entre as crianças, os jovens, os adultos e os idosos. Foi quando
deparou com as altas taxas de mortalidade de jovens por causas violentas,
objeto de extenso trabalho de investigação que continua até hoje e que envolve
especialmente a Região Metropolitana de Campinas, (RMC). De lá para cá, Tirza
constatou que após a explosão de homicídios, na mesma região, houve uma queda
na década seguinte, até 2010, e uma reaproximação dos patamares de antes de
1990, muito embora no restante do país se verifique ainda o aumento de
homicídios. Pesquisa coordenada por Tirza, revela, por exemplo, que no Paraná
algumas cidades como Cascavel e Foz do Iguaçu vivem agora situação semelhante à
registrada na RMC nos anos 1990 em relação aos homicídios. No Brasil como um
todo, houve um acréscimo de 14,5% no número de mortes por homicídios no País,
que passou de 45 mil em 2000, para 52 mil em 2010. Por outro lado, os registros
mais recentes da RMC revelam que, se uma parcela dos jovens tem conseguido
“escapar” dos homicídios, outra, não menos significativa, tem morrido sobre
duas, ou quatro rodas.
Desde o doutorado, Tirza, que hoje é pesquisadora do Núcleo de
Estudos de População (Nepo) Unicamp e também coordenadora do curso de
pós-graduação em Demografia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
(IFCH), se preocupa com as relações entre as questões de desigualdade,
vulnerabilidade social e mortalidade. O trabalho envolve alunos da graduação,
pós-graduação e pesquisadores do Nepo e de outras instituições, entre as quais
a Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) e Universidade Nacional
de Córdoba.
A RMC, com seus 19 municípios e mais de 2,6 milhões de
habitantes, foi constituída como unidade regional somente em 2000. Porém, desde
a década de 1970 seus problemas de moradia, desemprego e empobrecimento da
população vêm se agravando em razão do avanço na posição de pólo econômico. A
exemplo do verificado no país, os jovens pagaram o alto preço do
desenvolvimento: entre 1991 e 2000, a variação da taxa de mortalidade por
homicídios entre 15 e 24 anos foi de impressionantes 174%, passando de 56,9
para 156,3 mortes para cada 100 mil.
Uma constatação curiosa de um dos estudos realizados pela equipe
coordenada por Tirza: a avaliação dos dados socioeconômicos e demográficos do
Censo 2000 (IBGE), do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM-Datasus), do
Ministério da Saúde, e do Banco de Óbitos de Campinas (Secretaria Municipal de
Saúde) contrariou o senso comum quando se trata de associar diretamente
desigualdade social, pobreza e violência urbana. Para a RMC, os municípios com
maior desigualdade não eram necessariamente os mais violentos no início dos
anos 2000. No período investigado, os números variaram de algo em torno de 100,
(em 1980) 300 (em 1990) a 900 homicídios (em 2000). Na virada do milênio, os
municípios com as maiores taxas dessa modalidade de crime por habitantes eram
Hortolândia, Sumaré, Campinas e Monte Mor, sendo os dois primeiros aqueles que
apresentavam, na época, os menores índices de desigualdade socioeconômica, mas
os piores indicadores relativos à pobreza e oportunidade educacional para os
jovens. “É importante ressaltar que tais problemas sociais devem ser tratados
em sua complexidade, considerando o dinamismo e sinergia entre os municípios e
dos diversos setores das políticas públicas, seja no âmbito municipal,
regional, estadual ou federal”, afirma Tirza.
A demógrafa adverte que pesam nesta relação as escalas
utilizadas nas análises, se comparando municípios dentro de uma mesma região,
ou bairros dentro de um mesmo município, ou ainda comparações entre regiões de
um mesmo país, ou entre países. “Desigualdade social já denota, antes de mais nada,
uma sociedade violenta em vários aspectos”, ressalta.
“Nos contextos de marcada desigualdade em termos econômicos e materiais, e em relação ao acesso à moradia, aos cuidados à saúde, à educação de qualidade, circulação e lazer, somados à facilidade da instalação e consolidação de redes de criminalidade ligadas ao narcotráfico e distribuição de armas de fogo, são criadas condições para o crescimento da violência urbana que vitimiza principalmente os homens jovens, negros, e residentes em áreas mais segregadas, espacial e socialmente”, enfatiza a docente.
“Nos contextos de marcada desigualdade em termos econômicos e materiais, e em relação ao acesso à moradia, aos cuidados à saúde, à educação de qualidade, circulação e lazer, somados à facilidade da instalação e consolidação de redes de criminalidade ligadas ao narcotráfico e distribuição de armas de fogo, são criadas condições para o crescimento da violência urbana que vitimiza principalmente os homens jovens, negros, e residentes em áreas mais segregadas, espacial e socialmente”, enfatiza a docente.
Os espaços urbanos nos quais a população mais sofre com perdas
fatais são aqueles com concentração de população de baixa renda, adultos com
menor escolaridade, e jovens com menor chance de frequentar uma escola de
qualidade.
Trânsito
A primeira década deste século foi marcada pela reversão da
tendência de mortes violentas causadas por armas no estado de São Paulo e na
região de Campinas. No Estado, houve redução de 58%, de acordo com o Datasus.
Foram 15.591 registros em 2000 para 6.557 em 2009. Na RMC, em 2010, ocorreram
cerca de 400 homicídios, 14,2 para cada 100 mil habitantes (70% das vítimas são
homens entre 15 e 44 anos). As maiores taxas foram observadas em Monte Mor
(56,5 por 100 mil habitantes), Santo Antônio da Posse (24,4 para cada 100 mil
habitantes), seguidas de Sumaré, Cosmópolis, Santa Bárbara d’Oeste e Paulínia,
estas com cerca de 20 homicídios para cada 100 mil moradores. “Alguns fatores
contribuíram para esta diminuição, entre os quais a ampliação da cobertura do
sistema escolar com mais jovens matriculados, e também um maior investimento em
segurança pública. Mas ainda há muito que melhorar”, afirma.
Este refluxo no número de homicídios, cujo pico deu-se nos 1990,
teve, no entanto, uma contrapartida: o aumento de mortes no trânsito em São
Paulo e no restante do país. Eis os números: no Estado, de 5.975 em 2000 para
7.331 em 2009 (aumento de 23%) e, no país, de 29.645 para 42.043 (elevação de
30%).
Motivo para acender a luz de alerta e dar continuidade aos
estudos demográficos. Não por acaso, a atualização dos dados também tem o foco
nos jovens, por serem eles também as maiores vítimas. Da mesma forma que os
homicídios, os acidentes fatais atingem jovens – agora motociclistas – que
vivem em regiões menos favorecidas e que utilizam o veículo para trabalhar.
Um estudo realizado pela orientanda Ana Carolina Bertho, por
exemplo, que incorpora dados de boletins de ocorrência dos acidentes de
trânsito com vítimas fatais e não fatais no município de Campinas, revela os
mesmos diferenciais quanto à vitimização de jovens motociclistas e pedestres
menores de 14 anos e adultos com 60 anos ou mais. Segundo a pesquisa, aqueles
que residem nas áreas com maior concentração de carências de infraestrutura urbana,
apresentam índices de vitimização de 1,5 a 2,5 vezes maiores que o observado
entre a população residente nas melhores áreas do município, como nas regiões
centrais e de bairros como o Taquaral, por exemplo.
Na defesa de um olhar mais apurado para a condição de
vulnerabilidade do jovem brasileiro, a pesquisadora alerta para um equívoco
gerado por análises estreitas sobre os indicadores de saúde, que
invariavelmente colocam maior foco nos problemas relacionados à saúde infantil
ou da população com 60 ou 65 anos ou mais. “Por um lado, porque a mortalidade
infantil é muito sensível a ações pontuais, como vacinação, saneamento e
cobertura do sistema básico de saúde em suas ações preventivas e enfrentamento
dos problemas de baixa complexidade e, no outro extremo, por conta do contínuo
aumento do contingente e da longevidade da população idosa, uma das
consequências da transição demográfica”.
Para Tirza, o erro está em manter uma estrutura que avança
somente no controle da mortalidade infantil e saúde dos idosos, sem prestar a
atenção devida e urgente aos jovens e jovens adultos. “Estes são os
sobreviventes da primeira infância muitas vezes em condições precárias, que
irão continuar acumulando experiências e exposições a riscos, ou situações de
proteção, responsáveis diretamente às possibilidades de enfrentamento das
condições adversas que encontrarão na maturidade” complementa. Estudos mais
recentes, que aguardam o censo de 2010 para atualizações, mostram que, na
Região Metropolitana de Campinas, os diferenciais da mortalidade são ainda
muito significativos entre os jovens, quando comparados às crianças e idosos.
São os jovens residentes nos espaços urbanos mais precários que apresentam os
piores indicadores quanto à saúde reprodutiva e à vitimização frente à violência
urbana, seja no trânsito seja nas vivências cotidianas.
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