Do coração e outros corações

Do coração e outros corações

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Igreja da austeridade

 do Blog Ladrões de bicicletas aqui
«Na narrativa neoliberal as coisas são simples:
 gastámos de mais, a culpa é nossa e é preciso pagar em dinheiro e contrição.
Quem nos empresta é nosso amo e devemos-lhe a nossa alma, uma libra de carne viva e a suspensão da democracia. Precisamos de menos serviços públicos para gastar menos, de privatizações porque o Estado precisa de dinheiro e não sabe gerir, de mais desemprego para poder baixar salários e de reduzir as regalias dos pobres porque incentivam a preguiça. Depois, se fizermos isso tudo, os deuses apiedam-se de nós, as empresas começam a ganhar dinheiro a sério e recomeçam a contratar trabalhadores e podemos viver um bocadinho melhor - mas não tão bem como antes, nem com tanta educação e saúde pública porque era um desperdício. No fim, os serviços públicos ficam reduzidos à sua ínfima expressão e os ricos podem viver felizes para sempre. E não há nenhuma injustiça social nisto porque se um pobre quiser ser rico só tem de trabalhar muito e pronto.»
 José Vítor Malheiros

«Uma frase curta com a qual nos têm martelado os ouvidos, como afirmação supostamente mordaz para justificar tudo aquilo que de mau nos está a acontecer, declara que «é preciso acabar com o regabofe». A frase é incómoda e perigosa porque tem sempre um sentido unívoco. Com ela se pretende indicar que ao longo das últimas décadas as pessoas comuns tiveram direitos a mais, uma qualidade de vida que não se justificava, educação e saúde exageradamente acessíveis, transportes ao preço da uva mijona, férias preocupantemente longas, uma estabilidade no trabalho que só lhes fez mal à inteligência e aos músculos. Que passaram demasiado tempo a passear, a comer refeições completas, a tomar banhos de mar, a ler romances, a namorar, a programar futuros melhores para si e para os seus filhos. Porém, aquilo que pretende significar quem se serve da expressão não é que tais práticas fossem intrinsecamente más, indubitavelmente escusadas e fonte incontornável do pecado. É que não foram as pessoas certas a fruí-las.»
Rui Bebiano

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