do Blog de Roberto Romano
Lula constrange Dilma com CPI, por Ricardo Noblat
Sabe de uma coisa? Se o presidente da República mais popular da História não se constrange em atropelar seu sucessor e inventa uma CPI para atrasar o julgamento dos acusados pelo mais espetacular escândalo do seu governo, às favas, pois, com todos os escrúpulos.
Sigamos o líder. Copiemos seus exemplos. Exaltemos sua sabedoria. Por que não?
Afinal, a maioria de nós não parece se constranger com mais nada. Desde que a economia vá bem, os titulares do poder podem se comportar como quiser.
Por velha, sem essa de que somos necessariamente vítimas dos malfeitos que eles cometem. Alheios ou acomodados, antes talvez sejamos cúmplices. De resto – e nunca se sabe! - sempre pode sobrar algum...
Sem renunciar ao sorriso, a etérea Ana de Hollanda, ministra da Cultura, garantiu na semana passada que seu ministério não se sente nem um pouco constrangido em ter de gastar R$ 14,4 milhões com a construção do Museu do Trabalho e do Trabalhador em São Bernardo do Campo. Imagina!
A prefeitura entrará com mais quase R$ 4 milhões.
O museu servirá para quê? Na teoria para oferecer todo tipo de informação a respeito da luta no final do século passado dos operários das fábricas instaladas na região do ABC paulista. Foi um período de muitas greves por melhores salários e de forte repressão militar. A ditadura agonizava.
Ao fim e ao cabo, o museu incensará o papel de Lula como líder sindical.
Você vê algum problema no uso do dinheiro público para isso? Certamente que não vê. Você gosta de Lula, não é?
Mas você vê problema no uso de dinheiro público para manter o memorial de Sarney instalado num convento antigo de São Luís do Maranhão, não vê? Ali estão os documentos referentes ao seu governo. Você não gosta de Sarney. E assim caminha a humanidade...
A se acreditar no que dizem, ninguém sabia que Carlos Cachoeira era contraventor. Que explorava jogos eletrônicos.
Nem sabiam os governadores Marconi Perillo (PSDB), de Goiás, e Agnelo Queiroz (PT), do Distrito Federal, nem os deputados ajudados por Cachoeira com dinheiro ou favores para suas campanhas eleitorais. Foi o que disseram. E sem o mais tênue sinal de constrangimento.
No passado remoto, sim, Cachoeira havia sido contraventor. Mais especificamente, bicheiro.
Marconi e Agnelo se reuniram com ele quando Cachoeira era um homem regenerado. Pelo menos assim pensavam. Pelo menos assim afirmam que pensavam. Não só regenerado: um empresário ligado à Delta, a dona das maiores obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), presente em todos os Estados brasileiros. Coisa de empresa idônea.
Responda com sinceridade: que governador poderia se dar ao luxo de desprezar um empresário interessado em fazer negócios no seu Estado? E que deputado, empenhado em ganhar um novo mandato, poderia meter o dedo no nariz de um ex-contraventor e ordenar categórico: “Ofereça seu dinheiro para meus adversários. Não confio em você. E não preciso dele”.
Não preciso dele? Dele, o dinheiro? Dinheiro de graça em troca apenas de um voto aqui favorável a certo projeto de interesse do doador, uma embaixadinha ali para ajudar o doador junto a algum burocrata?
Eleição custa caro. Político detesta meter a mão no bolso para pagar despesas com seu próprio dinheiro.
Empresário está aí para isso mesmo. E sem nenhum constrangimento. É do jogo.
Constrangimento, constrangimento de verdade sofreu a presidente Dilma Rousseff. Lula não a consultou para sugerir ao PT a criação da CPI do Cachoeira.
O PT aproveitou uma viagem internacional dela para aprovar a sugestão de Lula. O Caso Cachoeira poderia se resumir à ação da Justiça contra ele – e a do Senado contra Demóstenes Torres. Para Dilma estaria de bom tamanho.
Ela não queria uma CPI – terá que engoli-la constrangida. Ela continua sendo contra a CPI, mas não poderá admitir sem se constranger.
Afinal, onde já se viu a fundadora de “um padrão mundial de combate à corrupção”, como observou Hillary Clinton, secretária de Estado norte-americana, desautorizar ou enfraquecer uma CPI destinada a combater a bandidagem?
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